“Há uma primeira conclusão a tirar assim que se acaba de ouvir Casulo: quem por aqui se aventurar pode deixar à porta qualquer esperança de dar de caras com uma continuação ou um equivalente de A Pele que Há em Mim. Ouve-se uma segunda e uma terceira vez para ter a certeza e torna-se ainda mais evidente que, nem por sombras, Márcia tentou repetir o dueto (e os efeitos da partilha viral) com JP Simões. Mais do que isso: parece até ter limpado o rasto pop que existia em Dá. Aquilo que havia de controlada exuberância no disco anterior, potenciada pela produção de Walter Benjamin, transforma-se em Casulo num fio inquebrantável de sobriedade que perpassa todo o disco. Esse espantoso e sólido equilíbrio nunca se vê posto em perigo. Nunca o espaço em redor da voz de Márcia é ocupado pela tentação de “encher” para esconder – o que acontece é precisamente o contrário, pedese a cada instrumento que justifique a absoluta necessidade da sua presença. Daí que a bateria solitariamente desgovernada de Decanto, a súbita entrada em cena de um Samuel Úria no final em crescendo de Menina, a assunção mais clara da existência de refrães de acordo com o bom senso pop de Deixa-me Ir ou o visto temporário para a visita de guitarra eléctricas agitadas em “Hora Incerta” não deixem de aparecer perfeitamente contextualizados, pousado suavemente sobre um conjunto de canções (de um charme melódico invulgar) com a confiança que só é possível a quem prescinde de qualquer espalhafato. Aliás, tudo o que de aqui se possa extrair de universos paralelos mantém esse desinteresse por chamadas de atenção desesperadas: a dinâmica de Decanto poderia vir dos Bon Iver, Úria não espantaria a cantar assim num disco de Sérgio Godinho, Deixa-me Ir convenceria como composição para Aimee Mann, as guitarras eléctricas cairiam bem no álbum dos Diva partilhado com Adolfo Luxúria Canibal. Casulo soa ao mais belo dos anticlímaxes. Não por decepção, mas porque reconfigura a música de Márcia como não esperávamos que acontecesse. Não cede às expectativas, não treme na sua presença, não as hostiliza; apenas lhes passa ao lado, ignorando-as e não lhes dando qualquer poder.” Gonçalo Frota, Ípsilon
