Depois do silêncio que, há quase dez anos, se abateu sobre os American Music Club, a música e as palavras de Mark Eitzel têm aparecido em discos a solo, explorando várias sonoridades, ou no contexto de projectos diferentes. É nesse e desse percurso (solitário mas não isolado) que tem construído uma obra na qual se cultivam dois elementos: a escrita paciente da canção e a elaboração para-literária de personagens e situações que aspiram a uma certa universalidade. Dito de outro modo, aquilo que Mark Eitzel canta é familiar, na sua estranheza, à experiência comum de muitos ouvintes. As suas baladas, em tom de murmúrio ou lamento, mais ou menos ruidosas, acolhem e consolem quem as ouve. Meditações sobre a dependência, as imperfeições, os erros, os bons e os maus sentimentos são conduzidas pelos ritmos, pelo fingerpicking, pelos arranjos ou, apenas, pela voz. O disco lançado este ano, Hey Mr Ferryman, sublima e vai tornando permanente essa relação (musical) com o mundo e a condição humana, salientando a orquestração e, acima de tudo, a clareza das palavras. Escuta-se uma aproximação à pop elegante que não deprecia (pelo contrário) a ligação ao universo do rock americano: em “La Lloorna” e ou em “Let me Go”, Eitzel continua confortável ao lado de Mark Lanegan ou de M Ward. É importante enfatizar que o ex-American Music Club canta para ser ouvido (notem, por favor, “Sleep From My Eyes” ou essa comovente trova pop que é “An Answer”), quer comunicar pensamentos e emoções, transcendendo géneros e categorias . E ao fim de mais década, a sua música afirma exemplarmente essa faculdade em momentos como a belíssima e violenta “Nothing and Everything”. Sim, Mark Eitzel aguardar-vos-á nesta noite, cantando para a cidade. JM