Há cerca de quatro anos, Mary Lattimore visitou-nos com Meg Baird, a propósito de “Ghost Forests” (Three Lobed Recordings). 2018 foi um ano chave para Lattimore, tanto esse álbum como “Hundreds Of Days”, em nome próprio, o seu segundo lançamento na Ghostly International, sedimentaram o seu nome no vasto mundo da música experimental que quer dinamizar outros polos. Se havia dúvidas, o celebrado “Silver Ladders” (Ghostly International, 2020), produzido por Neil Halstead (Slowdive), arrumou o assunto com sete lindíssimas composições que sabem existir num mundo musical extenso e aberto, em permanente suspensão. Não é espanto que tenha entrado nas listas de melhores do ano da Wire, Pitchfork, New Yorker ou Quietus.
A harpista, residente em Los Angeles, tem o dom de fazer desacreditar nessa coisa do tempo. As harmonias e cadências que vai desenvolvendo no seu instrumento de eleição suspendem, com efeito imediato, uma série de permanências da realidade. Daí que ouvir Mary Lattimore é ausentarmo-nos por uns momentos e aceitar que as delicadezas e transmissões/transações de emoções são importantes e requerem uma pausa. Importante, então, ter disponibilidade para a harpa de Lattimore e suas narrativas sonoras, sentir tudo como uma libertação sensorial, com luz e movimento a caberem em toda as frases.
Parte disto funcionar tão bem, é a música de Mary Lattimore existir quase sem desejo. É feliz onde está, por vezes autocontemplativa, não por vaidade, mas pela necessidade de evocar-se enquanto método. Se “Silver Ladders” concentrou de uma forma poética os diversos caminhos da harpista, já neste ano a reunião de dois trabalhos editados separadamente, “Collected Pieces I” (2017) e “Collected Pieces II” (2020), em “Collected Pieces: 2015-2020” (também na Ghostly), revela os diversos becos sem saída que nasceram das suas longas sessões de improvisação desse período. Composições que operam mais na vontade de contenção do que da expansão. Até aí, em peças que não se abrem de modo tão veemente, Mary Lattimore não resiste a trabalhar no contínuo da suspensão. O tempo, esse, não pode existir enquanto se ouve a harpa. É inútil resistir. AS