Ao contrário de alguns companheiros de geração (de Steve Albini a Foetus ou Jarboe), Michael Gira quis e soube construir uma carreira a solo enquanto autor de canções. Evitou envolver-se em experiências “artísticas” e não se rodeou de (muitos) colaboradores. Pegou numa viola e sentou-se. Pode parecer uma descrição injusta, atendendo à existência dos Angels of Light. Mas não é difícil confundir esta banda com o vulto e a voz do líder dos Swans. O despertar para as canções aconteceu em 1988, com uma versão de” Love Will Tear Us Apart”, dos Joy Division, ainda Michael Gira fazia par com Jarboe. Reza a história, que se terá arrependido (da homenagem) mas o mal (ou o bem) já estava feito. Não era apenas um corpo a exorcizar demónios num ritual bestial. Era, também, um barítono, entre John Wayne e Cash, que sabia cantar. Na verdade, e pese embora a agressão sonora dos Swans (com a repetição, o brutalismo, a rejeição da melodia), Michal Gira nunca escondeu de onde vinha: da música popular urbana no seu sentido mais essencial e despossuído (do blues aos Suicide, passando pelos Nina Simone, Stooges ou Amon Düül, até Glenn Branca). As experiências da downtown nova-iorquina passaram-lhe, por isso, ao lado, tal como os novos géneros associados à música de dança. Um conservador? Sim, certamente, assim o demonstrou nos Angels of Light ou a solo. Ou nos contornos estéticos com que definiu a sua Young God Records. Mas, talvez, não um reaccionário. Porque Gira pertence a outro tempo e a sua biografia dá conta disso (vejam por onde andou, o que fez, o que viu). As suas canções ainda guardam, portanto, uma gravidade áspera, que combate a distracção e o cinismo. Ainda assombram. E, o mais importante, nascem de uma convicção, de uma necessidade imprescindível. Autenticidade? Verdade? Why the fuck not? JM
