Noite preciosa com um músico que influenciou vagas e grupos de tantos outros músicos. Chama-se Michael Rother e muito provavelmente já foi nome misterioso, “protegido” de coleccionadores de vinil, especialistas em krautrock ou divulgadores profissionais como John Peel. Hoje não lhe falta reconhecimento. Plasma-se em livros, em citações de David Bowie, Tim Gane (Stereolab), Mark Hosler (Negativland) ou Julian Cope, em títulos de canções e na história da pop. O pós-punk britânico e o pós-rock americano devem-lhe uma boa parte das suas ficções.
Michael Rother participou na fundação dos Kraftwerk, mas foi com os Neu!, ao lado de Klaus Dinger (bateria), outro ex-Krafwerk, que começou, da Alemanha do pós-guerra, a afirmar um outro tipo de rock. Alheia à influência do blues, a sua guitarra emitia melodias e ritmos que se repetiam num gesto concentrado. O minimalismo, a simplicidade, a “geometria” portátil das composições eram as suas principais características, antecipando a elegância robusta e ritmada dos Wire, dos Joy Divison e dos PIL.
Mas ao contrário do que sugeriu Julian Cope, os Neu! não eram uma banda punk “convencional”, não eram (nem sabiam como ser) os Stooges. Contrariavam a agressão com o relaxamento, a música ambiente com os riffs, a sedução das melodias com a repetição rigorosa das batidas. Faziam música sobre arestas redondas, teimosamente livre e portanto imprevisível, o que explicava também a sua riqueza. Por isso, o legado dos Neu! continuou a ser, até hoje, ouvido, escutado, acarinhado. Transformado em referência e em orientação estética por e para muita gente.
Em 1973, Rother fundaria os Harmonia, com Dieter Moebius e Hans-Joachim Roedelius, projecto que expandiria certos elementos dos Neu! na direcção de um ambiente sónico com maior diversidade de matizes e emoções. Chamaram-lhe krautrock, rock ambiental. Era sobretudo música que desposava a electrónica para oferecer ao espírito uma experiência fascinante e benigna (sim, há uma esperança latente nos discos dos Harmonia).
Porventura eis o que muitos procurarão neste concerto em que Rother, acompanhado de Hans Lampe (gravou NEU! 75; ex-membro de La Düsseldorf) e Franz Bargmann (ex-camera), revisitará temas dos Neu!, dos Harmonia e da sua discografia a solo. Mas esse não será o único motivo. Ver Michael Rother ao vivo nestas condições é um sonho de todos os verdadeiros amadores da música popular da segunda metade do século XX. Uma revisitação face-a-face, no mesmo ritual que impulsionou a vida musical do convidado desta noite. Um concerto. Que o ritmo comece! JM