Mike Watt não é apenas o grande sobrevivente do rock independente americano. Foi um dos seus maiores artesãos, ao leme dos Minutemen e dos fIREHOSE. É impossível negar o seu protagonismo, a sua influência. Teve uma vida que se confundiu com a história de outras bandas, de outras personagens, sempre ao som de uma melodia modesta, discreta, dir-se-ia mesmo, tímida. Nunca escondeu que o único palco que lhe interessou foi o do concerto, indiferente às escadarias que apontavam ao estrelato. À iluminação excessiva preferiu a meia-luz das conversas com companheiros de viagem. E foram muitos. Se tem ou teve alguma ambição foi a tocar punk-rock com os amigos. Não o punk ortodoxo, mas a sua versão mais livre e, porventura, genuína. Basta recordar a generosidade que atravessa “Double Nickels on the Dime”, esse maravilhoso “cancioneiro” da música popular americana do século XX, e as afinidades reveladas ou cultivadas com Nels Cline, Carla Bozulich, Richard Meltzer ou Steve Mackay.
Tal abertura nunca significou, porém, uma ruptura com o passado. No universo de Watt não há espaço para relações líquidas ou inovações. A fidelidade a um universo musical foi sempre um dos traços da sua obra. Canções, guitarras, ritmos sincopados, baixo com swing feroz, velocidade. Uma alegria juvenil e adulta gritada para que todos possam ouvir, como a que agita e alimenta, desde 2005, a música dos Missingmen, o seu mais recente projecto. Trata-se, como outros que liderou ou guiou, de um power-trio, essa entidade que tantas obras-primas deu ao rock and roll. Ao lado do ex-Minutemen, encontram-se Tom Watson (Red Krayola; guitarra) e Raul Morales (bateria), músicos profícuos de São Diego, e a energia permanece indelével. Watt não se exilou, não se cansou, não envelheceu. Canta e toca como se D.Boon ainda estivesse vivo. É mais um do que um exemplo para as novas gerações de bandas e músicos que, aliás não se cansam de o reverenciar. Encarna com rugas e cicatrizes uma narrativa que ainda está a ser contada. É música viva. Ouçam-na, dançam com ela nesta noite. JM