Quando se estreou no nosso país, no palco do Aquário da ZDB, em vésperas de aniversário da revolução dos cravos em 2010, Daniel Lopatin não seria propriamente um nome que imaginássemos creditado no intervalo da Super Bowl. É certo que era já um nome amplamente aclamado, com a compilação Rifts na No Fun, a arrumar de forma digna parte do espólio de CDRs, cassetes e LPs de edição limitada de anos anteriores e que estava prestes a estrear-se na eMego com Returnal, mas era para todos os efeitos uma ideia meio inconcebível. Mas aqui estamos em 2023, sobrevividos(?) a uma pandemia, cada vez mais confusos com diferenciações entre a alta e baixa cultura e passaram-se já dois anos desde que Lopatin foi director musical para a actuação de The Weeknd, naquele que é um dos pontos altos televisivos do Mundo; sequência directa do seu trabalho de produção para After Hours e a antecipar Dawn FM. Quem diria?
Regressa agora na capacidade de Oneohtrix Point Never a Portugal, após passagens já distantes pelo Teatro Maria Matos e Out.fest, pela mesma mão da ZDB mas numa sala com outro arcaboiço. O necessário para albergar um dos músicos mais influentes e desafiantes deste século. Dos primeiros tempos curvado sobre teclados analógicos e uma armada de pedais, em trânsito por entre os pardieiros de um underground norte-americano que escapava ao noise e ao drone para se acercar da new age e da kösmiche, até se ter tornado figura de proa daquilo que David Keenan cunhou de Hypnagogic Pop – ao lado de nomes como James Ferraro, Spencer Clark ou Emeralds – foi todo um intervalo fértil em edições, com Lopatin a laminar uma música assente em cascatas de sintetizador, tão devedora de cosmonautas alemães da década de 70 e do Vangelis mais impressionista quanto das bandas sonoras de John Carpenter e da pompa de alguma art pop dos 80s. Mas muito sua.
Desse período, que culminou em 2009 com o já citado Rifts, Lopatin recolhe um campo de acção vasto que viria a marcar passos vindouros. Sob o pseudónimo Chuck Person, lança o já clássico Eccojams Vol. 1, onde a reapropriação de momentos reconhecíveis da pop deve às visões chopped & screwed de DJ Screw, mas é filtrada por uma realidade plenamente virtual que marca também esse clássico do Youtube ‘Nobody Here’. Pela eMego lança Returnal, onde o calor sintético do Juno 60 dá lugar ao som puramente digital do Yamaha DX7 e a tácticas de sampling tão disruptivas quanto acolhedoras, numa manobra que viria a ser sublimada no brilhante Replica de 2011. Dois anos depois dá-se a passagem para a gigante Warp, onde se tem mantido desde então e por onde lançou álbuns tão marcantes quanto R Plus Seven ou Age Of.
Paralelamente, projectou encarnações como Skyramps com Mark McGuire dos Emeralds ou Infinity Window com Taylor Richardson de Sunburned Hand of the Man e colaborou com luminários como Tim Hecker, Anohni, David Byrne ou FKA Twigs, numa actividade compulsiva cujo raio de acção vasto traz sempre a sua marca de água e culminaria com a sua aliança a The Weeknd. Momento de chegada definitiva à pop, ao mesmo tempo que se assume também enquanto compositor de bandas sonoras, de onde se destaca a sua ligação aos irmãos Safdie, para quem compôs as atmosféricas trilhas de Uncut Gems e Good Times – que arrecadou o prémio de melhor BSO no Festival de Cannes. No fundo, tornou-se impensável cartografar os avanços da música ao longo destas últimas duas décadas sem mapear a obra de Lopatin. Concerto para casa cheia, claro. BS
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