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Passos em Volta ⟡ Kimo Ameba

sáb11.02.1222:00
Galeria Zé dos Bois


Os Passos em Volta
Kimo Ameba

Existem coisas que nunca poderiam ser obtidas com um anúncio no jornal. Era absurdo recorrer aos classificados para procurar um “guitarrista disposto a desbundar em canções sobre passar as noites a fumar”. Além disso, ninguém responderia a tal chamada, porque nada prepara alguém para os rituais dos outros: ou os conhecemos, ou estamos fora. É tão simples quanto isso. E essa noção aplica-se aos rituais mais vulgares: mandar bitaites ao ver TV, dizer mal dos outros, falar de merdas. O tédio é um estado de espírito universal. A maneira exacta como é vivido será, por sua vez, uma das coisas que mais distingue um grupo de amigos.
O coração escreve o primeiro parágrafo, porque reconhece nas bandas da Cafetra uma capacidade muito especial: a de transformar o tédio em fabulosas canções rock e partilhá-lo depois como se fosse “uma cena de amigos para amigos”. Parece lamechas dizê-lo assim, mas há uma extrema generosidade em todas as canções que trazem cá para fora as piadas e os detalhes asquerosos sobre a vida interna da Cafetra. Num tempo em que toda a música quer ser muito importante, voltou a ser uma alegria escutar bandas que não se acham a salvação ou o supra-sumo da batata. O segredo da Cafetra é – tal como canta o tio B Fachada – “fazer mal a coisa certa” sem que isso seja um “big deal”. O próprio Jad Fair provou, no final dos anos 70, que a música podia partir dos mais toscos e nunca achou que isso fosse um “big deal”. Encontrou o ímpeto em si mesmo, e foi assim que chegou aos cinquenta belos acidentes incluídos nesse monumento lo-fi que é “1/2 Gentlemen / Not Beasts”, dos Half Japanese. O mesmo serve para dizer que o rock mais genuíno nunca aconteceu por encomenda e raramente agradou a todos. Os Passos em Volta e os Kimo Ameba , as duas bandas-nucleares da Fetra, sabem bem que a pretensão e a elaboração não fazem falta nenhuma ao rock. Os mesmos Passos em Volta que, no ano passado, lançaram um álbum (“Até morrer”) capaz de comprovar tudo o que foi escrito até aqui. Mas as mesmas coisas boas podem ser ditas sobre os Kimo Ameba, que esta noite apresentam o seu primeir disco – eles que, por sua vez, cantam letras imperceptíveis e decidiram explicar porque o fazem numa canção igualmente indecifrável. É muito engraçado ver como a voz de Nacho fica de castigo e merece apenas a mesma importância que os outros instrumentos. O fuzz mais endiabrado dos Kimo Ameba faz também com que soem a Mudhoney depois de pisar um cagalhão bem português. E isto é um elogio. Os mais recentes concertos (e os registos em vídeo) das duas bandas provam que o expoente máximo da Cafetra acontece realmente em palco. E nada desta conversa importará muito assim que, na ZDB estalarem as guitarras, a euforia pop e a despreocupação em geral. Tudo coisas impossíveis de obter com um anúncio no jornal. MA

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