Enquanto meca punk e seus derivados, Nova Iorque é uma galeria viva de memórias e de constantes reconfigurações. Na verdade, só assim poderia ser. Com a presença ainda viva do calor do garage rock ou do ruído primitivo da no wave, este é o berço ideal para a música corrosiva e vampiresca dos Pop 1280. Se em poucos anos a Sacred Bones tornou-se num sério compêndio musical da cidade (e não só), então a banda fundada por Chris Bug e Ivan Lip é hoje um dos maiores exponentes da editora. O que fazem é levar o seu rock radioactivo às paisagens distópicas um dia eternalizadas pelos livros de Philip K. Dick ou J.G Ballard. Fantasiam sobre um mundo em betão e arame farpado sob um céu nublado e relampejante.
‘Paradise’ saíu no início do ano, e só pelo título, trouxe consigo um inevitável travo irónico que assenta perfeitamente na força anímica do grupo. Mais do que isso, traz também uma revisão sonora do que até aqui apresentaram. A aquisição de novo equipamento (como drum machines) e a dedicação na produção levou-os a um álbum de que qualquer banda se poderia orgulhar: um conjunto de canções coesas, interligadas entre si e capazes de instaurar possibilidades de inovação criativa. Um feito imensamente positivo para uma jovem formação que chega assim ao terceiro disco, já com uma vincada identidade musical, mas longe de estanque. Ainda que a abordagem das guitarras continue a soar minimalista e iluminadas pela real distorção, o ritmo ganha uma nova pele, aproximando-as, mais do que nunca, à esfera do industrial. Um passo natural, já que no anterior trabalho ‘Imps Of Perversion’, sobravam indícios suficientes que apontavam a essa direcção. A batida mais maquinal une-se ao feedback e ganha corpo a um inflamado discurso orwelliano em redor de temas de controlo de massas e os perigos da tecnologia. Paira pois uma toada apocalíptica sobre a escrita dos Pop 1280, e no entanto, a sua visão acaba por ser mais presente e lúcida do que se poderia esperar – afinal, a realidade é sempre bem mais assustadora que a ficção.
Tendo trabalho com o mítico produtor Martin Bisi (Sonic Youth, Boredoms ou Swans) durante o álbum de estreia ‘The Horror’, os nova-iorquinos desde logo se impuseram como uma das forças mais necessárias do rock ruídoso, demente e benignamente subversivo. Recebê-los pela primeira vez num palco nacional é um privilégio coberto de curiosidade e fascinação; além disso, trata-se de uma possibilidade, como poucas, de desligar o cérebro por uns instantes e entrar nesse festim de transe urbano.