Volvidas quase quatro décadas de ofício continuado, Rafael Toral continua a operar com uma paciente ousadia em territórios ainda por cartografar, num processo de exploração minucioso e sagaz, cujo corpo de obra se tem revelado sempre precioso. Já por aqui lhe tecemos por diversas vezes os mais rasgados elogios, sem alguma vez incorrer pela hipérbole, mas estes nunca serão demais quando nos deparamos com uma obra como ‘Spectral Evolution’. Disco tecido ao longo de quatro anos de estudo, pesquisa e experimentação, marca o regresso de Toral à guitarra – trabalho postulado nos essenciais ‘Wave Field’ e ‘The Violence of Discovery and Calm of Acceptance’ – reconciliando esse modo de acção em torno do ambientalismo droney com a demanda pós-free jazz para instrumentos electrónicos do seu Space Program, entretanto concluído. Acto contínuo, descobre-se nessa comunhão aparentemente incompatível uma nova fase que reconhecendo esse passado projecta um novo futuro.
‘Spectral Evolution’ marca também o regresso da Moikai de Jim O’Rourke, adormecida desde 2002, e que reaparece aqui sob a alçada da enorme Drag City, numa simbiose plena de sentido. Longa peça de 47 minutos, dividida em 12 “andamentos”, ‘Spectral Evolution’ faz total justiça ao seu nome num movimento que dos primeiros acordes lânguidos de guitarra, evocativos do romantismo da balada jazz, se vai adensando e despindo de forma tão orgânica quanto minuciosa como um fractal por entre drones, pedaços de solismo electrónico consciente, paisagens contemplativas de guitarra limpa, espaço e uma gestão de tempo e dinâmica quase orquestral, mas nunca faustosa, plena de lirismo e emoção. Não surpreende, de todo, que à sua chegada à ZDB, ‘Spectral Evolution’ tenha já recolhido os mais variados elogios, da Pitchfork à Boomkat, numa mostra cabal do poder transversal e, porque não, humano desta música. Aquando de uma passagem prévia de Toral pelo Aquário escrevemos que ‘Moon Field’ era “um disco-portal para um outro universo, sempre em expansão”, e no press release da Drag City para ‘Spectral Evolution’ fala-se num “new expanding universe”. Lá está. BS