Aos primeiros acordes, percebem-se as origens dos Shopping. Em termos geográficos, a Inglaterra; em termos musicais, a filiação no pós-punk que algumas mulheres tão bem souberam desenrolar. Poly Styrene, Lora Logic, Julz Sale, Ari Up, Gina Birch, Viv Albertine, Ana da Silva: é um ilustre conjunto de personalidades que protege tanto quando assombra o trajecto deste trio londrino. Elas ouvem-se nas canções de Rachel Aggs, Billy Easter e Andrew Milk. Nas palavras gritadas em coro, nos ritmos sincopados, nos sentidos das palavras. Já é um cliché dizer isto, mas a discografia dos Shopping podia ser uma reedição de uma banda obscura de 1979.
Numa perspectiva mais benevolente, mas nem por isso desajustada, é muito mais do que isso, como Why Choose, o segundo álbum de originais, tão bem demonstra. Embora próximo dos seus contemporâneos (Life Without Buildings, Electrelane, Love Is All), este trio insiste na frugalidade das precursoras, mas não a fim de uma mera emulação. A exuberância sónica e a versatilidade, pouco consistentes nesse “velho” pós-punk, transbordam das canções. É como se, sem prejuízo da fragilidade trôpega que herdaram das “irmãs”, os Shopping se aventurassem noutros trilhos, com uma segurança impaciente.
A dança do baixo, os arranhões delicados sobre as cordas, a alegria do hit-hat estão como estavam há quatro décadas. Elásticos, contagiantes, juvenis. Fazem levantar o pé, mas sempre num movimento impulsionado por palavras que procuram dar sentido aos sentimentos e às emoções, à falta de dinheiro, ao consumo, a rejeição, ao tempo, à presença do outro. A faixa inaugural, Wind up, resume bem este parágrafo, quando Rachel exorta o ouvinte: “I hear you talking/ Unnecessarily/Wind up!/ Wind me up”.
A trepidação anima a maioria dos temas, mas os Shopping tentam suster o ritmo, ora dando espaço à conversa a dois (Rachel e Andrew num duelo palavroso e irritado), ora fazendo descer e sossegar melodias. Ouçam em Take it outside o modo como o teclado entra, levando a canção para a irrisão colorida dos B-52s, ou, em Time wasted, a frustração a insinuar-se, expondo a solidão da guitarra e da voz.
Entre a angústia e a estridência se fez muito este disco. Say it once, por exemplo, permanece tensa, num movimento circular, antes de se libertar num ritmo motorik; No show só ao fim de vários minutos suspende as palavras, para pôr a dançar as memórias mais antigas do (surf) rock e do funk. Com Why wait, contudo, a ebulição renascerá numa provocação mordaz, mas não ingénua, ao mundo mercantil, e estender-se-á, agora num tom introspectivo, a Private party.
Sinking feelings evoca as guitarras de Andy Gill para exprimir uma desilusão. Os riffs das guitarras e a repetição dos ritmos anunciam uma ruptura (“My days are empty”, “My heart is sinking”) antes da convulsão final, em crescendo, exuberante. É um dos grandes temas do disco. Depois, emKnocking, os Shopping voltam a libertar-se, entoam cânticos, piscando o olho aos Bow Wow Wow e aos The Feelies, sempre num gesto excessivo que encontrará o seu fim no instrumental 12.12345. A dança acabará aí.
José Marmeleira, Ípsilon 27 de Novembro 2015