Tendo em conta o absoluto anonimato a que é vetada a grande maioria dos engenheiros de som responsáveis pelo corte e masterização do vinil, Rashad Becker poderia ser considerado uma espécie de estrela da equipa técnica, não fosse essa uma figura oculta a que apenas uma meia dúzia de obcecados ou audiófilos costuma dar o devido crédito. Com o seu nome orgulhosamente cunhado em mais de 1000 discos ao longo da última década, Becker é a sombra que paira sobre muita da música electrónica, experimental e mais-ou-menos dançável – muitas vezes em simultâneo – mais relevante dos últimos anos. Aquele nome que alguém com um mínimo de interesse nos destaques da Boomkat, Juno ou Forced Exposure já ouviu inúmeras vezes sem o saber.
Apesar da imponência deste trajecto que tem vindo a criar no reputado Dubplates & Mastering Studio em Berlim – ou por causa disso mesmo -, a música que pairava na sua cabeça era ainda um mistério, para além de umas raríssimas aparições como remisturador ou em colaborações esparsas. Dada essa tendência para um ouvido quase absoluto, fundamentada na influência secreta que teve para com o aspecto técnico de tanta música desafiante, seria mais ou menos expectável que essa se regesse por princípios estéticos ou formais igualmente audazes, mas ainda assim incapaz de nos preparar para Traditional Music of Notional Species, Vol 1. editado no ano transacto pela sempre respeitável PAN – editora para com a qual tem tido um contributo decisivo – Traditional Music… encontra poiso seguro no seio desse catálogo no modo como se escapa a qualquer catalogação mais estanque, amplificando essa mesma recusa para territórios quase alienígenas, sem qualquer ponta de petulância. Objecto fascinante, que se revela a conta-gotas, vai redefinindo continuamente noções de harmonia e estrutura num todo intrigante de sons electrónicos que se vão reorganizando no espaço, numa dinâmica que nunca perde o respeito para com o silêncio. Sem ceder ao academismo asséptico, Becker acaba por estar mais em linha para com a library music de um Raymond Scott ou Louis e Bebe Baron, a composição informal do Tod Dockstader ou até a sensibilidade de algum free jazz, do que com conceptualismo vazio de alguns dos seus pares mais cabotinos. Resultando numa música de espaços insondáveis, a cativar pela via mais esquiva. BS