Este projecto é sobre o momento em que somos atingidos pelo que nos olha. Sobre o que tomamos como visível e invisível. O que escolhemos olhar e o que recusamos? A criação tem como ponto de partida a expressão “baseado em factos verídicos”, largamente utilizada na produção cinematográfica. Quando contamos uma história, está implícito que aquilo que dizemos, que os factos que descrevemos alegadamente aconteceram e as coisas são o que mostram ser, partindo desta premissa estamos num terreno perigoso do qual não podemos fugir. Real Dog é um campo minado, onde as fronteiras são invisíveis, lugar frágil entre nós e as imagens, onde as relações entre pessoas, objectos e lugares subvertem-se num piscar de olhos.
A pretensa veracidade dos factos é um terreno fértil onde todas as versões do mesmo são possíveis. Assim, toma-se como ponto de partida vários materiais, nomeadamente a história de três homens que assaltaram um banco nos anos setenta, cuja história gira em torno do carismático John Wojtowicz que deu origem ao filme “Dog Day Afternoon” de 1975, realizado por Sidney Lumet. O evento original, o assalto, tornou-se um espectáculo mediático. John Wojtowicz alegou que o motivo do assalto seria para dar o dinheiro ao seu amante para uma mudança de sexo. O assalto que durou catorze horas resultou na prisão de John, o mesmo acabou por conseguir o dinheiro que pretendia vendendo a história para a realização do filme de Sidney Lumet. O protagonista, numa entrevista, afirmou que bateu o sistema ao conseguir o valor que pretendia e também afirmou que o filme não correspondia totalmente à verdade e passou a usar o nome: “Dog”. Vinte e quadro anos depois, em 1999, o artista plástico Pierre Huyghe procurou John Wojtowicz para que o mesmo pudesse repor a verdade e deste modo criou a vídeo instalação “The Third Memory”.
A menção da expressão “baseado em factos verídicos” é extremada e a ficcionalização da vida do indivíduo torna-o actor de si mesmo, “onde o mentiroso mente a si mesmo” na procura de repor uma verdade que se perdeu na vertigem dos acontecimentos.
Apesar de tantos anos passados sobre o evento original e de diversos objectos artísticos por ele provocados, parece-nos pertinente usar como inspiração estes materiais baseados em factos verídicos para reflectir sobre a tensão entre poder e desejo e o impacto que tem nas nossas vidas e nas relações interpessoais.
Não é a história de John que aqui está em jogo ou que queremos contar, mas as histórias que contamos a nós próprios.
— Solange Freitas