Boa parte da música vinda do Brasil ainda permanece por cá reclusa numa época passada ou de referências algo duvidosas. A dita música contemporânea que por lá se faz vai pingado, muito por via de canais não-oficiais. Chico Dub, autor das maravilhosas compilações Hy Brazil ou o colectivo 100% Foda/Maneiríssimo são algumas das pontes a esse ainda novo mundo que está acontecer do outro lado do Atlântico. Haverão certamente outras, seguramente merecedoras de maior exposição e de mais público, mas ficarão para outra ocasião. Ora em 2015 surge um disco que se enquadra perfeitamente nesse plano de maravilha exótica, revelando um nome que desde então tem vindo a prometer – e a cumprir – as promessas de novas coordenadas na música brasileira.
Ricardo Dias Gomes fez com -11 uma genuína ode à experimentação, sem descurar na arte da composição e se perder numa atitude meramente niilista. Conseguiu a proeza de soar delicado e arrojado, popular e erudito; no fundo, um álbum deste mundo – e especialmente fora dele. Mas a percurso artístico de Gomes, actualmente a residir em Lisboa, é tudo menos recente. O pai foi trompetista, o tio foi baterista de Hermeto Pascoal e o próprio Gomes desde cedo tratou de expor uma musicalidade física, onde as texturas e o ruído fossem ganhos maiores. Fazendo do baixo eléctrico o seu aliado, teve a sensatez e o bom gosto de se rodear com os melhores. E os melhores com ele. Caetano Veloso convidou-o para a sua banda Cê, numa altura em que também o mestre se questionava sobre novos rumos para a sua arte. Num cenário de descobertas e redescobertas, a música de -11 trazia não só uma abordagem brutalmente honesta do seu autor, como pairava uma quase missão de fundir (e confundir) categorias, referências e percepções.
Já este ano, edita um outro brilhante disco: Aa. Mais que revisão de matéria, há passos em frente com mais desafio, mais perigo e mais maravilha. É demasiado apetecível estabelecer paralelos entre este disco e a actualidade política do Brasil, mas efectivamente, de um modo ou outro, parece soar como reacção a este capítulo histórico. A música de Gomes esgravata na terra e mergulha na água em busca de ternura, tensão, sonho, fogo e paz. É um disco essencialmente solitário, embora com participações em estúdio de Moreno Veloso, Joana Queiroz, Vodka the Duck ou Arto Lindsay (como só poderia ser). Só peca por se escutar demasiado rápido, mas isso não quererá dizer que termine depressa. Na verdade, Aa parece nunca chegar realmente a terminar; Pre-Revolutionary State é o tema que encerra o alinhamento do álbum, todavia deixando as ideias, sensações e imagens até então oferecidas, simplesmente a pairar no ar – ali em stand-by, à beira da eternidade. Chamar este acto de belo será pouco, muito pouco. NA