Noite com palco dado às motivações e bravura do Colectivo Casa Amarela. Bando com origens na Ilha da Madeira e transmutado para a capital, assente no núcleo duro de Bruno Pereira tcp Aires e Mafalda Melim, cujo trabalho contínuo tem desbravado diversos trilhos em torno da música electrónica – do harsh noise ao ambient, do drone às gravações de campo e demais matéria sem poiso certo. Com um catálogo já bem respeitável, onde se contam álbuns de Sã Bernardo, Peak Bleak ou Vomir, apresentam aqui o seu presente e projectam visões futuras.
Rita Silva é uma compositora e instrumentista daqui, actualmente a estudar no Instituto de Sonologia na Holanda, em apresentação ao seu novo álbum – The Inflationary Epoch – após a sua estreia no ano transacto com o promissor e auto-explicatório ‘Studies Vol. I’. Recorrendo à improvisação com sintetizadores modulares e técnicas generativas de programação, Silva indiciou nesses primeiros estudos uma abordagem devedora de pioneiras como Suzanne Ciani, Laurie Spigel ou Delia Derbyshire – há até um tema com o seu nome para deixar clara a linhagem – que é agora muito mais confiançuda e plena de propósito. Deixando de lado qualquer intenção mais escolástica, ‘The Inflationary Epoch’ assume um pendor mais grandioso e elevado, através de cascatas de arpégios num fluxo fractal que se vai mutando de forma hipnótica e algo alucinatória, num cosmos psicoacústico onde também pairam artistas como Caterina Barbieri ou Jessica Ekomane.
Fashion Eternal é um duo formado por Bruno “Aires” Pereira e João Valinho. Do encontro entre o co-cabecilha do CCA, também conhecido como Shikabala e membro de SCOLARI ou Peak Bleak, e o baterista e percussionista João Valinho – um dos mais requisitados bateristas em tempos recentes, da improvisação livre, ao jazz e à electrónica – que procura nas suas próprias palavras “gerar um universo hiperreal exploratório e experimental através da saturação de material sónico que percorre virtualmente todos os meios de consumo musical”. Ou seja, o poder de encaixe e uma espécie de resignação benigna às condições destes tempos, acolhendo o frenesim da informação e matéria-som-ruído da pop, do rap, ambient, noise, jazz e por aí fora para o confrontar e revolver numa mesma dimensão mutável. Espécie de delírio colectivo febril desse fluxo inescapável que em ‘Fashion Is Never Finished’ de 2020 surgia ainda envolto numa névoa mais dronesca e é agora sublimado ‘How You’re Feeling Now’, EP a ser editado, onde as hierarquias culturais e suas lógicas inerentes se dissolvem num processo de disrupções e justaposições onde estalos EDM convivem com avalanches de ruído, memórias da pop se deixam ao abandono.
Com nome semi-sacado a uma mítica trupe de dança madeirense – Hot Dancers – o duo de cabecilhas do CCA caga de alto nas divisões entre low e high culture celebrando alguns dos géneros de música de dança tendencialmente mais malditos pela suposta intelligentzia como a Eurodance, o Gabber ou, em particular, o Happy Hardcore. Como quem olha de soslaio e com desdém para o techno mais cinzentão e suas afirmações superioridade moral para se deixar levar com braços no ar e sorriso idiota, sem medos, num caleidoscópio efusivo e colorido. “Low-brow é cultura” afirmam. Verdade. BS