Guitarrista pivotal da cena Neo-Zelandesa, Roy Montgomery é daqueles músicos cujo trabalho, na sombra de qualquer alarido mais mediático, tem traçado uma linhagem muito própria ao instrumento, ampla e justamente reverenciado por gente ilustre como Grouper ou Dry Cleaning. Figura de culto, se é que isso ainda existe. Activo desde o início da década de 80, esteve envolvido através do Pin Group nos primórdios da mítica Flying Nun, editora essencial na disseminação da música do seu país de origem, e já na década seguinte nos primeiros lançamentos da norte-americana Kranky, através da compilação ‘This Is Not a Dream’ de Dadamah, dois álbuns de Dissolve com Mark Heaphy e início de uma trajectória maioritariamente solitária – excepções feita a psiconautas como Bardo Pond ou Flying Saucer Attack – que o próprio atribui à sua condição de filho único. O que pode bem ser apenas idiossincrasia. Visão.
Após a estreia a solo com ‘Scenes From The South Island’ em 1995 – reeditado em 2019 na Yellow Electric de Liz Harris tcp Grouper, responsável por vários discos do guitarrista – Montgomery lançou aquele que ainda hoje é um dos seus álbuns mais memoráveis, o abençoado ‘Temple IV’. Reflexo da morte da sua companheira de então, ‘Temple IV’ procurou reconectar-se com essa mesma relação, num acto catártico de ressonância emocional que viria a delinear a sua abordagem mui própria às seis cordas: a reverberação, melodias circulares, afinações incomuns, rendilhados elípticos que se vão cruzando, uma melancolia espectral, por vezes assombrada, ecos de espaços e memórias que se sustêm numa aura difusa e enevoada. Daí, ao ritmo da contenção, foi gravando para editoras como a VHF, Grapefruit ou a já citada Yellow Electric, deixando rasto precioso e ainda por descobrir em discos como ‘Silver Wheel of Prayer’, no split com Grouper e já no ano passado com ‘Chamera Melancolia’.
Álbum (novamente) assombrado pela morte. Gravado na sequência da passagem da sua companheira de duas décadas, lida com a perda de uma forma tão poética quanto hipnotizante, como que a projectar a presença eterna daqueles que nos tocam. Ao invés da dor. Ciclos. Dada a raridade com que se apresenta ao vivo, esta aparição de Montgomery na ZDB revela-se um daqueles acontecimentos bem especiais, sem qualquer tipo de hype mais ou menos forjado, mas com toda a verdade que isso possa acarretar. BS