Nos anos 90, assistiu-se, em Portugal, ao aparecimento de bandas e músicos que escreviam e cantavam em inglês. Esta vocação, bem-sucedida em termos de sucesso comercial e entre a crítica jornalística, distinguia-se claramente da que, em traços gerais, a precedera nos anos 80. Cantava-se agora não (apenas) para uma realidade local, com as suas particularidades histórias, culturais e linguísticas, mas para o mundo e, sobretudo, para um público que, supostamente, teria maior familiaridade com o inglês. Efeitos da globalização, que diminuía magicamente as distâncias. Os Sean Riley & Slowriders surgiram já numa fase posterior, há precisamente 10 anos, com o lançamento de Farewell, mas não será inapropriado associá-los a essa “tendência”. Dela, retém o mesmo apreço por tradições, imaginários e sons de outros lugares. Neste caso, o da América de Lou Reed, de Bob Dylan, de Howie Gelb, de Lloyd Cole & Commotions, de Mark Lanegan, de Mark Eitzel, de Josh Tillman. É com ela que Afonso Rodrigues, Filipe Costa, Filipe Rocha e Bruno Simões têm vindo a conversar. Uma América primeiro imaginada no espírito e depois traduzida nas canções.
E são as canções que elevaram e elevam os Sean Riley & The Slowriders acima de muitos dos seus contemporâneos, como demonstraram no primeiro disco, que vão reeditar e celebrar neste concerto. A Galeria Zé dois Bois, recorde-se, não lhes é um sítio estranho. É uma casa que os recebe há uma década, acompanhando-os, dando-lhes guarida, ouvindo-os. Canções como “Harry Rivers”, “Let Them Good Times Roll,” Everything Changes ou “Moving On” já se escutaram e se entoaram nesta sala. A voz tensa mas suave de Afonso Rodrigues, tão inspirada no real como na ficção, os arranjos delicados mas fortes que sustêm as composições, as presenças acertadas das guitarras, as memórias de Bruno Simões (que neste concerto será representado por Nuno Filipe) não pertencem apenas à banda. Fazem parte da história da ZDB. Nesta noite, os Sean Riley & The Slowriders tocarão para dizer que continuam connosco, sem esconder a cicatriz do trauma, com os pés bem assentes em dois lugares. O da imaginação que a música cria, e a realidade em que a música se manifesta. Foi sobre ambos que se fizeram as palavras e as melodias de “Dili”, “Gipsy Eyes” ou “Greetings”. É com eles que ressuscitarão nesta noite. JM