Uma das mais intensas e veladas críticas ao rock teve como alvo o alheamento às quotas femininas. Ao contrário da country, da soul e da pop, a trindade “guitarra, baixo e bateria” demorou a seduzir protagonistas femininos. Ou resistiu à sua sedução. Os motivos foram dos mais variados: sociais, culturais e, até, comerciais. Mas é um facto que durante as primeiras décadas a relação esgotava-se nos gritos das fãs ou nas diabruras da groupies e as poucas e boas excepções não permitiam entrever qualquer movimento de fundo. Só nos anos 1970, primeiro com a modelo inaugurado pelas The Runaways e depois com o grito do punk, as mulheres começaram a subir ao palco com a mesma convicção e a liberdade dos homens. Quer dizer, mais ou menos. Na verdade, pelo menos nos Estados Unidos, ainda foi preciso que os efeitos do riot grrl se fizessem sentir e que uma banda como as Sleater-Kinney apresentasse o modelo que se tornaria dominante: uma rapariga de guitarra electrificada ao peito, sozinha ou acompanhada, soberana na expressão musical da uma visão do mundo. Shannon Wright (como Nina Nastasia e Scout Niblett) é uma rapariga assim, desde que se juntou, nos finais dos anos 90, ao contingente da Quaterstick. Como a de muitos de companheiros de percurso (Rachel’s, Shippping News, June 44), a sua música começou por se salientar pela gravidade e a dureza. As canções revolviam-se numa introspecção exigente (um quase mutismo), esculpidas em notas de piano e abrasivos riffs de guitarras, e distantes da ironia que ainda dominava o indie-rock. Eram veículos para a expressão de emoções e experiências em torno dos efeitos que a palavras como amor, posse, amizade, afecto ou convivência, podem ter na vida real. Ao longo dos últimos doze anos, Shannon Wright não mudou muito. É verdade que de autodidacta passou a senhora dos seus sons, colaborou com músicos diferentes para não dizer antitéticos (Steve Albin/Yann Tierson) e tem balançado entre obras mais abrasivas (Over the Sun) e acessíveis ou “experimentais” (Let in the Light). Mas o seu “estilo” continua relativamente intacto. Quando se rodeia de bateria e mais guitarras, fá-lo com fidelidade primeiro às (suas) canções e só depois a um universo (“St. Pete”). Quando se abandona a arranjos de piano ou às notas de um teclado, é porque não resiste ao pedido das letras e da voz (“Everybody’s Got Their Own Part To Play” ou “Avalanche”). E quanto canta, é porque tem mesmo que cantar (“With Closed Wyes” ou Strings of an Epileptic Revival). Assim era o indie-rock. Assim é o indie-rock de Shannon Wright. JM