Holding perene e contínuo deste quarteto de ilustres que já por inúmeras vezes se encontraram em formações mais ou menos ad hoc ao longo dos anos, Shelter assume-se como uma verdadeira cooperativa onde cada músico explora a sua própria linguagem e dialética individual em composições que daí serão exploradas num contexto de banda. Música em potência infinita de processos, formas e resultados vinda das mentes de Ken Vandermark (saxofone, clarinete), Nate Wooley (trompete), Steve Heather (bateria) e Jasper Stadhouders (baixo) num combo transatlântico e transgeracional que abraça quase todo o espectro que vai do jazz à música de experimentação destemida.
Em solo europeu tanto Steve Heather – nascido na Austrália, mas com residência em Berlim – quanto Jasper Stadhouders têm sido exemplares no necessário desbravar da paisagem por entre várias frentes de música em exploração contínua. O primeiro num campo expansivo que passa pela improvisação, performance, composição e instalação por entre o noise, o free jazz ou o drone em peças de teatro e dança ou colaborações com gente como Martin Siewert, Andy Moore ou Axel Dörner. Stadhouser tem sido um dos mais bravos e jovens agitadores da cena holandesa, com um trabalho na guitarra e no baixo que o levou a tocar com gente como os The Ex, no Ingebrit Haker Flaten Chicago Sextet ou nos Made to Break – onde também pontifica Ken Vandermark – num caminho irresoluto que descobre sempre novas realidades no – aparentemente? – cada vez mais estafado recurso às extended techniques.
Do outro lado do Atlântico temos dois músicos já sobejamente conhecidos da Zé dos Bois que acolhemos sempre com a maior gratidão. Ken Vandermark tem sido uma visita recorrente mais do que justificada pelo seu corpo de trabalho imenso e constante recusa em atinar com soluções confortáveis, cabotinas como via, antes redesenhando novas potencialidades em torno de uma linguagem singular. Nate Wooley tem sido com toda a verdade reverenciado como um dos mais especiais trompetistas dos últimos anos, amealhando experiência e riqueza lexical como uma segunda natureza por entre inúmeros lançamentos e colaborações ao longo de um espectro colossal que vai de nomes como Anthony Braxton ou Eliane Radigue a Chris Corsano ou C. Spencer Yeh.
Após rodagem em ascensão em torno das composições de cada um deles, preparam agora a edição do seu primeiro álbum pela Audiographic. Contando com todo um arsenal sónico onde se incluem os sopros, a electrónica, a percussão ou a guitarra num manto volátil de texturas e soluções harmónicas, combina o pulso do post-punk com a energia libertadora do free jazz naquilo que – sem falsa modéstia – Vandermark diz ser “The sound of the future, now”. É de acreditar. BS