Preâmbulo por
Artur Jóia
Ruídos Synths
Tristão Paisagem
Gira-discos
Dj Artes
No princípio eram inofensivas; saltavam de corpo em corpo, não faziam impressão, não eram sacudidas… eram parte da casa. Depois, aos poucos, começaram a ser cada vez mais; juntavam-se em magotes de gente e saltavam em conjunto. As ruas começavam a quebrar-se, e vagarosamente abriam-se as brechas no chão que faziam a comichão dos deuses, embora os deuses nem sequer chegassem a queixar-se.
Surgia assim a rebelião tremenda dos corpos cansados que se juntavam em turbamulta e abriram-se os novos carreiros por onde esse espírito se impregnava. Tornaram-se cada vez mais e também mais rápidas, escavavam mais fundo e apertavam-se com cada vez mais força, para que os deuses soubessem que elas existiam. E conseguiram, mesmo que fosse em vão e que o ruído não desse em ruínas, pelo menos já não estavam distraídos. Os grandes deuses conseguiram inventar uma forma de passar a dor dessa gente para outros deuses menores, de passar a dor para quem não sabe pensar. Segundo Zeus sentia a dor quem tinha na sua forma um pedaço de inocência.
É sempre algum pequeno comido pelo grande, e o planeta continua em catarse giratória, em direções opostas para o mesmo lado. O que ainda salva esta gente revoltada e inofensiva é o excesso de calor que a catarse giratória provoca.
O mais provável é que a culpa volte a ser dos deuses. Se calhar deviam ter ouvido as pulgas quando estas eram inofensivas…
Do imaginário da EM MISSÃO, projecto de radio-performance de André Neves e João Robalo. Base da editora Panama Papers.