Noite Super Ballet com Coucou Chloe, Shygirl e Menino da Mãe.
Super Ballet c/ Coucou Chloe ⟡ Shygirl ⟡ Menino da Mãe
Coucou Chloe
A vista panorâmica da electrónica actual continua em ascensão. Vai existindo caminho para cada abordagem, cada fusão ou cada reinterpretação – e a lista de talentos vai-se engrossando. O que mais nos parece seduzir é a capacidade de transgressão de alguns artistas; seja pela honestidade de reconhecer diferentes referências como inspiração, seja por um certo magnetismo pela forma híbrida, fugindo a ratoeiras estéticas. A francesa Coucou Chloe é um dos maiores exemplos ao que muitos se têm referido como post-clubbing. O termo vale o que vale, embora dê imediatamente pistas sob o que esperar. Para trás ficam as luzes multicolores e os ritmos maximais para que entremos numa névoa de electrónica fragmentária, brutalmente imagética, sónica, mas também emocionalmente vigorosa.
Enquanto co-fundadora da editora NUXXE chamou até si nomes como Shygirl, Sega Bodega e Oklou. Todos eles e cada um deles, como parte única de um corpo em crescimento. Por detrás dos decks da rádio independente londrina NTS assina misturas cuja cartografia ainda não se reconhece. Numa extensa e dispersa dieta musical que tanto pode embarcar o r n’b mais sedoso, o trap mais paranóico, o reggaeton mais sónico ou a pura colagem sonora, o fruto será eternamente exótico. O EP ERIKA JANE é o seu mais desconcertante e apaixonante objecto até à data. O céu e o inferno andam de lado a lado, os ruídos e as melodias amparam-se; no limiar, alcança a proeza de tratar a experimentação com um invulgar sentido de sensualidade. A atmosfera, essa, é algo tóxica e nem poderia ser de outra forma. Numa visão maior, trata-se da consolidação das fundações lançadas por Venus X, Total Freedom e toda a família da Night Slugs. Coucou Chloe eleva esse enigmatismo a patamares transversais. Nervo e energia para chamamentos à lua cheia. NA
Shygirl
Geneticamente urbana, seria difícil imaginar a música de Shygirl noutro contexto. As ruas, as máquinas e as conversas alheias o dia-a-dia apresentam-se fontes inesgotáveis. De resto, o que sobra é o frenesim e a velocidade da urbe que se alinham na perfeição com a impaciência e a catarse natural da jovem londrina. Nasce aqui uma lírica crua e sarcástica, obviamente in the face, encorpada pelo avant-grime de Sega Bodega, habitual parceiro de estúdio. Bandas sonoras de filmes de terror, discursos roubados de um link perdido no Youtube, graves saturados e imundos, estes elementos apresentam-se como peças criativas na construção do sub-mundo da cantora.
“Cruel Practise”revelou a matéria que acima de discursa. Com apenas cinco temas deixa claro a sua força e porque logo se tornou uma das edições fortes de 2018 (figurando nas listas de melhor do ano em publicações como a Pitchfork ou Tiny Mix Tapes). É estar adiante de um disco de curta duração mas que nem por isso perde intensidade ou pertinência às ideias e à identidade cuja reivindicação é real. Faz recordar a velha máxima do punk hardcore e embora de esferas distintas, há definitivamente um rastilho comum. Em pouco de mais de um par de minutos, fervilham imagens e sons que desafiam a sua origem e a sua compreensão. Uma autêntica viagem surrealista, mas também cronista, consciente de si mesma e dos seus tempos.NA
Menino da Mãe
Um dos mais recentes personagens de uma bizarra Lisboa em flor. O que materializa com a sua música é um snapshot amargo da cidade, ganho a pulso e alimentado por uma sede do infinito. Vê-lo sozinho num palco, é testemunhar um crescendo de presença, igualmente pujante e encantadora. Além disso, a sua escrita é um declarado acto de isolamento final; o mesmo que António Variações tão bem explorou e os saudosos Aquaparque souberam trabalhar por dois maravilhosos discos. Menino da Mãe reúne estórias, tripanços e revelações que afinal pertencem um pouco a todos nós. NA