Na música não há diabetes, não há excesso de açúcar. Há sim, vozes energizantes como Kelly Lee Owens que na sua própria viagem universal empírica nos dão a insulina necessária para nos derreter. Esta sucarosexploradora galesa com vida a latejar, sabe bem o que é viver. O seu extraordinário e aclamado disco homónimo de estreia é como fosse um cronograma de um trajeto que teve tanto de cerebral quanto de coração. Cada tema é um espelho seu. Quem canta em loop ”Keep Walking”, só podia um dia ter sido enfermeira assistente numa clínica oncológica, sabendo bem o que é a perda, a esperança, a mudança que celebra no dubby ”Bird”. Numa entrevista algures referiu que os seus doentes com a sensação de vida a prazo a encorajaram a viver a sua liberdade saudável na companhia do que mais gostava. A música. Que agora cura, dizem fãs pela net fora. ”Lucid” é no fundo o auto-hino sobre a lucidez de seguir um conselho, que de repente lá a levou para Londres, para viver e no caminho apanhar boleia sónica com os History of Apple Pie, trabalhar em lojas de discos, cruzando-se com Daniel Avery carregado de sintetizadores analógicos e Erol Alkan, o guru que lhe disse ”faz a tua cena”. História de uma metamorfose concluída, com pós-graduação no disco de Avery ”Drone Logic”, prelúdio de acontecimentos maiores, a ”Evolution” que canta, na tal estreia no ano passado, produzida por James Greenwood (Ghost Culture). Onde ainda há homenagens a Arthur Russell, multimomentos rivais de Laurel Halo e Jenny Hval com quem chega a partilhar o belíssimo ”Anxi”. Em tudo Kelly consegue estreitar o elo por vezes longínquo entre a música de dança e o sentido de melodia etérea de estéticas mais 4AD ou Sarah Records, como no soberbo ”8” que roça a tema perdido de uns refinados Seefeel, que é sempre doce relembrar. O tal açúcar, lá está, invisível mas bem audível que cairá em câmara acelerada sobre quem vier dançar com ela, partilhando com Kelly toda a energia que emprega ao vivo e a cores. Muitas. NL
Super Ballet c/ Kelly Lee Owens ⟡ Terzi b2b Telma
Terzi b2b Telma
O equilíbrio e a euforia do beat matching, que é a soma de dois momentos e de duas fisicalidades, define a linha de baixo harmoniosa e delirante onde o Gonçalo, o Terzi, habita e nos recebe. E ficamos com ele, seduzidos e tranquilos. E felizes. Porque, se uma das primeiras palavras ditas num ensaio da definição de música é, felicidade, terá também de ser a primeira para o definir como DJ, programador e agitador de ferramentas atentas e generosas com que, desde 2010, vive e trabalha um circuito ascendente e luminoso. SC
Telma começou a partilhar discos entre amigos – um passatempo que progressivamente foi ganhando proporções sérias. Naturalmente, surgiu a vontade de os tocar em ambiente de clube. Enquanto DJ, mostra-nos uma paleta alargada que se desdobra pelas sombras da eletrónica – acid, electro ou breakbeat, sem esquecer a energia do house, do funk ou do disco. Interessa-lhe explorar a música – quanta mais melhor, sempre de espírito irrequieto, sem apegos, oscilando entre clássicos e achados, e serpenteando entre estilos nas suas colagens sonoras.