Luís Severo é um daqueles casos em que o crescimento pessoal se confunde um pouco com a mais recente memória colectiva. Afinal os mesmos ouvidos que o acompanharam desde logo, quando ainda assinava sob Cão da Morte, mantêm-se ávidos e mais fiéis que nunca. E Severo soube reafirmar-se ao longo dos últimos anos pela reinvenção artística e pela certeza do que o fazia mover na vida. Passou de uma jovem promessa a uma sólida confiança, demonstrando uma valiosa capacidade de revigorar a feitura de canções na língua materna. Fá-lo de modo espontâneo, apaixonante, como se de facto fosse uma tarefa simples. Talvez o seja realmente, tendo em conta que essa é uma condição quase exclusiva a quem entretanto se formou em Sociologia, mas onde retorna sempre à composição musical no fim do dia e aurora da noite.
Plenamente sintonizado com o seu tempo, as questões socio-políticas do exterior atravessam-se com as dúvidas meta-pessoais do interior, numa torrente de melodias pintadas com convicção e esperança. Cartas de amor, poemas de angústia e polaróides de nostalgia dão forma à longa obra escrita de Severo. Cara d’ Anjo veio a acrescentar matéria a tudo o que até então se juntava; trouxe uma identidade mais definida, consciente de si mesmo e do que o rodeava, mas também novos espaços para que o seu discurso e processos criativos ganhassem outro fôlego, outro corpo. Quanto à arte lírica, já alcançou um lugar unicamente seu, fazendo esquecer os habituais barões do cancioneiro nacional, escutados e referenciados ad eternum, mas entretanto adormecidos ou mesmo inertes. Só por isso, por essa frescura e grandeza que traz, seria motivo suficiente de louvor.
O disco homónimo, editado este ano, voltou a aportar uma personalidade especial. No que o próprio considera um resultado mais solitário que os anteriores, a necessidade destas novas canções nasceu em palco, em viagens e em pausas de apresentação de Cara d’ Anjo. Emergiu como uma necessidade maior de concretizar ideias que há muito pairaram sobre si, algumas relativamente díspares do que até aqui vinha a apresentar. Foi no estúdio da Cuca Monga, editora dos Capitão Fausto, que este registo aconteceu. Primeiro como laboratório, onde o piano se tornou numa espécie de extensão pessoal, depois como maternidade desses esboços às futuras canções que compõem o seu melhor trabalho até à data.
De regresso ao Aquário, Luís quis fazer algo distinto dos seus concertos habituais, num misto entre o inédito e o ambicioso. Em palco irá reunir a sua banda composta por Diogo Rodrigues e Bernardo Álvares (Zarabatana, Alforjs), convidando ainda a totalidade dos convidados que deram o seu contributo no álbum. Bia Dinis (April Marmara), Francisco Ferreira e Manuel Palha (ambos dos Capitão Fausto e BISPO), Manuel Lourenço (aka Primeira Dama), Teresa Castro (Calcutá e Mighty Sands), Tomás Wallenstein (Modernos e também Capitão Fausto) e ainda Violeta Azevedo (Jasmim) completam a lista de músicos que nessa noite pisarão o palco em redor do maestro Severo. Um acto de partilha sem limites. NA