Ao longo da década de 1990, havia em alguma música pop/electrónica um desconforto causado pelo fim de século, acrescido pela mudança de milénio, a tal “Pre-Millennium Tension” que deu título a um álbum de Tricky. O mundo não acabou, nos 2000s o rock vindo dos Estados Unidos, em especial de Nova Iorque, ora associado ao noise ou ao esqueleto pós-punk/new wave concedia a felicidade e a libertação daquilo que não aconteceu. A ansiedade, ou tensão, pré-milenar foi uma ilusão que passou, que deixou de prender. Mais de três décadas depois, a forma como se está agarrado à tecnologia, a dependência, e como se projecta a inteligência artificial está a criar outros tipos de ansiedade, tensões, ligadas também a uma ideia de não futuro, associadas às alterações climáticas e, ao que parece, uma vontade de autodestruição do ser humano, seja por via do capitalismo ou da própria essência. E, sim, isto é um texto sobre os Model/Actriz. Por isso, fale-se deles: o álbum de estreia, “Dogsbody” encapsula esse mal-estar transformado em carpe diem sem merdas. Um álbum que vive o momento, quer morrer no momento. Fast and Furious ou live fast and die young. Coisas assim, mas sem ser para usar numa t-shirt.
Quarteto residente em Brooklyn, formado por Cole Haden (voz), Jack Wetmore (guitarra), Ruben Radlauer (bateria) e Aaron Shapiro (baixo), que anda aí desde meados da década passada, passou pela escola que ensinou muitas bandas relevantes em Nova Iorque no início do século: andam há anos a tocar (desde 2016), a editar em formatos discretos e agora finalmente veem a luz do mundo com um álbum que oferece tanta e tanta coisa ao mesmo tempo. Como os tempos em que vivemos. Produzido por Seth Manchester (Lingua Ignora, Body, Battles), “Dogsbody” transforma aquela ansiedade aspirante dos 1990s numa coisa real. Hoje a ansiedade/tensão não são inspiradas numa mudança de data, num futuro incógnito que se projecta, são reais de um mundo que constrói informação e formas de comunicar a uma velocidade que não se consegue processar. Por isso, há muita tecnologia em “Dogsbody”, como há sexo, uma luta desenfreada com o corpo e de o fazer vencer, viver, usar-se e fazer-se destruir. Este viver no limite roça as aspirações do rock de início de século (pensa-se logo em Liars, mas também em Black Dice, Sightings ou Wolf Eyes), especialmente porque Haden não canta, declama, sussurra, e isso transforma a experiência de ouvir Model/Actriz no transcendente que sabe viver o presente. Um viver de explorações das sensações de existir, de ser um jovem adulto hoje, sem medo do amanhã. Por isso, ao vivo são também intensos, confrontam o público, fazem-no existir na experiência com eles. Porque a vida é uma constante explosão. E a música dos Model/Actriz explode a cada momento, sem qualquer noção de futuro. Até porque ele pode não estar cá amanhã e os Model/Actriz estão aqui hoje. AS