A performance como via de resistência. Ou sobreviver ao caos e transcender o mundano. Yves Tumor, o artista norte-americano nascido no Tennessee, mas ancorado em múltiplas geografias, tem gerado um pequeno grande universo de si, para si. Claro que esse viveiro encontra-se aberto a todos os que com ele ousam atravessar uma obra sempre penetrável e, no entanto, sempre esfíngica. Esse limbo entre um ponto reconhecível e magnético contrasta (e até complementa) com a ala obscura, propositadamente lacónica e plena de possibilidades, que o próprio cultiva – não por cisma, senão por inevitabilidade. A sua vida pessoal e biográfica serpenteiam, lado a lado, num expressivo trabalho musical que na última década tem vindo a ser descoberto.
Com um passado associado às expressões texturais e sónicas do noise e do industrial, o seu léxico tem vindo assumir uma forma transgressora e surpreendentemente aglutinadora. Serpent Music, editado em 2016, veio a torná-lo num nome de maior projecção. Um disco difícil de conceber, quase como um pequeno milagre, cuja natureza ambígua logrou tratar a experimentação mais pura com a mesma eloquência com que convocou a sensibilidade pop e algum vapor R&B. Conjugar focos distintos, encontrando um estranho equilíbrio de beleza, tristeza sem esquecer o grotesco e o desesperante. Cada um destes adjectivos atravessa Yves Tumor numa urgente chamada de desejo em despojar o mais intrínseco da sua essência.
Além de uma constante e dispersa presença a solo, também se fez notar em colaborações com James Ferraro, Star Slinger, Mikki Blanco, Croatian Amor e tantos outros. Pelo meio, assinou pela Warp e ofereceu-nos uma das melhores malhas da brilhante compilação Mono No Aware, apresentada pela PAN. A sua omnipresença em muito do que melhor se vai fazendo na arte sonora demonstra o calibre profundamente carismático que detém. When Man Fails You surge no mesmo ano do álbum há pouco citado, ampliando ainda mais o puzzle de tentar juntar as pistas em redor de uma persona em permanente mutação. A infinitude das peças mais ambientais, o uso terrorista de samples impensáveis e a elevação do ruído ao estatuto de respiro, fizeram deste disco uma constelação não menos importante no céu envenenado de Tumor. E como não referir Safe In the Hands Of Love, esse portento pleno de potenciais hits pop? Não é todos os dias que podemos escutar um punhado de composições soul iluminadas pela radiactividade de uma fonte energética fora do normal. Assim é imagem de um dos artistas maiores na nossa época, ainda em franco reconhecimento e tão desejado. É nos limbo das coisas que o podemos encontrar. NA