Terra Livre é a exposição de Diogo Simões (Miratejo, 1988) que pode ser vista na Galeria Zé dos Bois e que resulta de um processo de trabalho entre o artista, Natxo Checa e António Júlio Duarte, curadores. Debruçados sobre um corpo de trabalho fotográfico compreendido, aproximadamente, entre 2011 e 2020, o trio apresenta-nos agora uma obra que, não desestabilizando a natureza da imagem fotográfica, não deixa de provocar celeuma em relação às categorias e ao enquadramento dessa imagem. Sucede, pois, que para quem gosta de mergulhar neste território de alucinações e enganos, isto é um festim.
Com uma identidade bem consolidada e uma existência legitimada pelo sistema, na Zé dos Bois trabalha-se para expandir o território de percepções, nutrindo os sentidos de estímulos que promovem espanto, crescimento, desconforto, potência e verdade. Não sendo necessariamente um território de contra-culturas, a ZDB nunca deixou de ser um espaço de resistências várias, onde encontramos programadores e programadoras que estão alerta e é nesse contexto que se insere agora esta Terra Livre.
Esta terra que o Diogo habita e onde se movimenta, e que foi estimulando a criação destas imagens, tem tido inúmeras representações. Falamos da Margem Sul do Rio Tejo, em particular de Almada, Caparica, Miratejo, Barreiro, Seixal, etc., e de como essa zona, repleta de contrastes que preservam os diálogos entre os ritmos do campo e os da urbanidade, nos aparece frequentemente representada em imagens politicamente comprometidas. O que queremos com isto dizer é que a dimensão estética das imagens realizadas nesta zona parece invariavelmente subjugada a uma dimensão histórica. Uma vez isso sucedendo, o observador terá dificuldade em observar o retrato sedutor de um rapaz negro, velado por uma mancha de fumo, litrosa na mão, sem nesse retrato projectar imagens que povoam continentes e se substituem às ideias. Parecem imagens que estão lá fora, só que não. Para sentir, é preciso olhar de novo, sempre.
Sofia Silva