The King of The Rood
Pi
Pi
Pii Pi Pii Piiiiiiii
Ouve-se.
Na realidade sente-se, o som quebra a barreira auditiva e entra pelo nosso corpo fazendo sentir-se por ele inteiro, é um som que se vê e se sente na reverberação, até se poderia dizer que tem sabor a som, sabor a carro, sabor a fumo, cheiro a gasolina.
O Egipto sente-se. “Cairo, és cheio. Cairo, és simpático. Cairo, és traiçoeiro.”
Na comunicação pelo som, verde, amarelo ou vermelho, pouco interessa, no Cairo sente-se, na dança complicada o malabarismo da estrada é testado ao limite entre olhares e buzinas. Pobre criança que inventou o som “Pi” numa buzinadela de esperança, nunca terá ido ao Cairo, certamente perderia a confiança no ato de brincar. Na cultura do carro, quem está lá dentro é rei.
O espectador é levado a passear nas ruas do Cairo, subjugado ao que é andar na cidade, num exercício puro de observação, ações inúteis sob o barulho das buzinas, palavras afogadas por um “Piiiiiiiii”. Em The King of the Rood, a artista Maria Peixoto Martins leva o público em viagem, na parte de trás de um Chevrolet T, no caos de estímulos do centro metropolitano da cidade.
É criada uma intimidade com os condutores e com os carros, um a extensão do outro, por um olhar voyeurístico de precisão que entra por dentro das janelas. No detalhe das imagens pelo desfoque da velocidade, sente-se um desconforto da intrusão quando o olhar do condutor é recebido pela lente da câmara. Da mesma forma que observa, Peixoto Martins sente-se observada entre o barulho das buzinas, na ausência do silêncio, uma peça nova no puzzle realçada pela diferença. A artista posiciona-se de fora para dentro, num núcleo confuso que só o confidente entende, de lente aberta ao interior.
The King of The Rood é uma imersão autêntica, despojada de equívocos, uma porta aberta de interpretações ao espectador, sem condescendência ou desatino, uma captura íntima e honesta transcendente às três dimensões. Caracterizada por um ar pesado de poluição, mas leve de ironia e admiração, a obra é encapsulada no seu título, num “a” perdido algures nas ruas do Cairo.