Algures entre a condição de roqueiros desalinhados, hippies urbanos e anti-heróis da pop, encontramos um pequeno milagre chamado Tomorrows Tulips. Como charmosas personagens furadas de uma película de baixo orçamento, é na entrega e criatividade que se fazem valer, entrando na pele dos papéis mais marginais e perante os cenários mais contrastantes. Há quatro décadas atrás, escutar-se-ia nas rádios o clássico California Dreamin, então um dos símbolos de uma geração ancorada na libertação social com um charro na mão e um megafone na outra. Outras quatro décadas depois este trio apresenta-se não exactamente como fruto directo desse imaginário, mas sim como um belíssimo vislumbre do que isso poderia ter sido, se exposto à cultura do punk, do indie rock dos 90s e dos excessos deste milénio. Naturalmente californianos, encontraram pousio na editora Burger Records, casa excelsa para uma nata excêntrica de bandas como Black Lips, Ty Segall, Thee Oh Sees, Hunx and His Punx ou Brian Jonestown Massacre. Os nomes falam por si e foi neste ambiente DIY, de (con)fusão musical bastarda, onde não existem caminhos certos ou errados, que fermentaram o último álbum When – brilhante colecção de canções dignas para uma road trip de sonho.
Houve porém uma vida anterior que moldou a banda actual. Houve a curta existência dos Japanese Motors, houve um disco essencial intitulado Experimental Jelly e houve ainda uma torrente de cassetes e edições de autor, hoje em dia parcas e valiosas. Todo esse percurso, onde ainda se incluem as digressões feitas, não foi – nem nunca será – suficiente para fazer dos Tomorrows Tulips uma banda assumidamente “séria”. A diversão inerente e a vontade de criar muito com pouco levou-os certamente a uma maior audiência sem que esse fosse um objectivo estipulado. Caóticos, oníricos ou festivos, a invenção continua sobrepôr-se à técnica e a estética lo-fi emana ondas de calor incapazes de serem replicadas num estúdio asséptico. Essa genética orgânica e orgulhosamente imperfeita é o habitat natural da banda como se cada tema estivesse ligado a uma improvisação-mãe, regada a whisky velho e usufruindo de uma gloriosa fotossíntese matinal. Para além disso, reconhecem e não escondem quem os motivou a tão audazes incursões. Está lá o passo gingão dos Velvet Underground, o artesanato punk dos Beat Happening ou Neutral Milk Hotel, o mural de som dos My Bloody Valentine e aquela maravilhosa noção de rock disfuncional cimentada pela Siltbreeze. E não será por mero acaso que, recentemente, o vocalista Alex Knost se tenha aliado a Kim Gordon para o projecto Glitterbust.
Nesta primeira vinda a Lisboa, as projecções até aqui referidas ganharão vida em palco. Trata-se de receber um dos exemplos mais entusiasmantes do rock actual, mas será igualmente sinónimo de entrega, de olhos fechados e corpo suado, à dança hipnótica e ao frenesim do feedback da guitarra. NA