O motor criativo que desencadeia as novas obras de Inês Botelho, sendo “Travessia em revolução” um excelente exemplo, está nos lugares (arquiteturas e paisagens) e na sua tradução no plano humano (ora no aspeto percetivo e sensorial, ora no aspeto social). Ambos (lugar e humano) são atravessados demoradamente pelo Desenho (hipóteses, verificações, recuos, avanços) e são devolvidos ao Espaço (urbano, rural, aquático, arquitetónico ou astronómico) e à Matéria (corpo, água, terra, barro) em forma de Escultura Total. E entendemos essa totalidade na sua integração e complementaridade à arquitetura pré-existente, no caso, a Sociedade Instrução e Recreio e o contexto celebratório que envolve esta apresentação. Esse enquadramento espacial, por seu lado, reorganiza-se numa nova fenomenologia, uma realidade física, geométrica e geológica espacio-temporal, agora indissociável dessa construção instalativa. Aqui, o objeto criado e a moldura onde ele se inscreve estão numa mesma narrativa, que pressupõe a sua total interdependência, nos abarca e atira para uma não-lógica em que os efeitos podem preceder as causas. O deserto é a própria estrutura, o Presente é vernáculo e o volátil aparece de pedra e cal, devolvendo-nos à nossa relação precária com o Mundo e recordando-nos da fragilidade do nosso percurso (da humanidade em geral, mas também da História e da Cultura em particular).
“Travessia em revolução”, trabalho inédito de Inês Botelho, apresenta-se, na Sociedade Instrução e Recreio de Elvas, pela mão da ZDB, e no contexto de um desafio a propósito da celebração dos 15 anos do MACE – Coleção António Cachola. Nas suas operações, a ZDB carateriza-se por desafiar os artistas a produzir novos trabalhos, acompanha as suas inquietações, oferece meios de produção e condições de apresentação. Foi esse um dos motivos que levou a Galeria a convidar Inês Botelho, artista com a qual mantém uma relação de proximidade desde início dos anos 2000, concretizando apresentações e produções várias, e com quem, no último ano, retomou o trabalho nos preparativos para a sua próxima exposição individual prevista para o próximo mês de Setembro, em Lisboa.
A ZDB, sita no centro de Lisboa, é um centro de criação, produção e difusão de arte contemporânea com um programa regular e interveniente nas artes visuais, sonoras, performativas e serviço educativo. A perfazer 28 anos de atividades, tornou-se num lugar incontornável da cultura contemporânea portuguesa, congregando à sua volta uma larga comunidade de artistas e de público dedicado.
Não é de estranhar que esta associação cultural tenha aceite o convite a si endereçado: por um lado, nutre admiração pelo Museu e a labutação da família Cachola, por outro, faz parte dessa rede portuguesa empenhada ativamente em criar condições para que a arte contemporânea faça parte do quotidiano e seja considerada uma ferramenta fundamental para aprender a lidar com o mundo e, sobretudo, com os outros.