Um elemento comum no registo expositivo de Alexandre Estrela, é que os títulos não são o que parecem. “Acordado”, uma das palavras no título, tem um duplo significado. Significa estar acordado, mas também algo que foi acordado, assim, o título pode ser entendido como Um Mês Desperto ou Um Mês de Acordo. Mas porque é que estas duas ideias estão ligadas em português? Será o despertar em si um acordo com a realidade? O sono uma quebra de contrato com o real?
Um Mês Acordado revela as capacidades cognitivas do espectador sem dormir, questiona a perceção da realidade e, de certa forma, espelha o olhar de alguém permanentemente preso num estado desperto. A exposição conta os relatos de um insone, através de simples técnicas experimentais de realização de filmes, que montam “armadilhas perceptivas”, desencadeando luzes entópticas e zumbidos indesejáveis, uma alucinante experiência extracorporal próxima do chamado cinema do prisioneiro.
A exposição está ancorada em duas ideias fundamentais: que noites de insónias crónicas podem trazer clarividência e que existe uma partitura universal embutida na maior parte da música contemporânea. Para esta experiência comportamental foi acordado que a Galeria Zé dos Bois permanecerá aberta durante 24 horas por dia, 7 dias por semana durante o período de um mês, apresentado obras de arte insones a um público inquieto. Imagens e sons que irão assombrar o observador a um ponto em que as ilusões se tornam concretas.
Obras expostas:
Um Mês Acordado, 2018
Projecção de vídeo sobre tela de alumínio preparada
Video: 4:3 HD MOV (PAL), cor, um mês, som estéreo
Tela: tela/escultura de alumínio fundido de 37.5 × 48.5 x 4 cm
Já não dormia, passava 24 horas acordado e estava assim, tipo há um mês, que não dormia. [I didn’t sleep anymore, I was 24 hours awake, for… like a month, that I didn’t sleep]
Um Mês Acordado é uma video instalação concebida enquanto relato prático de como fazer um filme experimental: projectando e gravando simultaneamente uma imagem estática através de um acrílico giratório. Durante o evento, um insone crónico, fez algumas observações sobre as semelhanças entre as imagens criadas e as alucinações que havia experienciado quando ficou um mês sem dormir. Posteriormente, uma tela de alumínio foi moldada e fundida, modelada a partir do vídeo. Em suma, a instalação simula o que pode ter sido uma experiência entóptica com os fosfenos: luzes vívidas internas que ocorrem no córtex do olho quando não há estímulos externos por um longo período de tempo.
Universal Score, 2019
Projecção de vídeo sobre tela preparada
Vídeo: 4:3 HD MOV (PAL), cor, duração indefinida, som estéreo
Tela: gesso, madeira 30 x 40 cm
Som: programação de Borja Caro Montes
A peça Universal Score teve origem na teoria de que pode existir uma estrutura fundamental por detrás da música contemporânea feita nos anos sessenta e setenta. Este padrão foi explorado através do desenho de linhas que podem ser lidas como uma partitura universal. A imagem de um desenho colado em cima de uma ilustração de uma chapa de xilogravura encontrada num livro antigo, é a unidade de um vídeo oscilante que é projectado sobre uma tela com a forma da própria chapa de impressão. A banda sonora é composta por uma seleção de temas de músicos contemporâneos consagrados, forçados a passar por um efeito de vibrato. O ritmo do vibrato e a oscilação da imagem são diferentes, no entanto, a necessidade de sincronização do cérebro leva-nos a pensar que ambos estão em uníssono.
Van Allen Belt, 2019
Projecção de vídeo sobre tela de metal preparada
Vídeo: 4:3 HD MOV (PAL), cor, duração indefinida, silêncio
Tela: alumínio, 30 x 40 x 1 cm
O Cinturão de Radiação de Van Allen, é uma barreira com um nível letal de radiação, que impede qualquer criatura viva de sair da atmosfera terrestre. Nesta vídeo instalação, duas imagens de um sol nascente, oscilam em cantos opostos de uma tela de metal. A luz do feixe de projeção atravessa a barreira de metal através de perfurações aleatórias.