ZDB

Artes Performativas
Performance

untitled, still life

15.10 — 17.10.09
NEGÓCIO Rua de O Século nº9 porta 5, Lisboa


de Ana Borralho & João Galante
em colaboração com Rui Catalão
Em Outubro a Galeria Zé dos Bois acolhe, numa das suas salas de exposições, a estreia do novo projecto de Ana Borralho & João Galante em colaboração com Rui Catalão: untitled, still life

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Saber quem somos e o que fazemos implica aceitar de onde vimos. Partilhamos influências e referências. Inspiramo-nos em artistas com quem trabalhámos e outros houve de quem apenas fomos seus espectadores. Deparamo-nos com interesses e ambições próprias – algumas delas enunciadas por quem nos antecedeu e cujo trabalho desconhecíamos.

O ponto de partida para este projecto era fazer uma ponte entre a História do Futuro do Padre António Vieira e as rupturas levadas a cabo pela geração de coreógrafos portugueses que surgiu nos anos 90. Fizemos um levantamento de cenas, momentos de peças que nos marcaram, processos de trabalho. Abordámos tabus sexuais, regressámos à exposição do corpo e fomos surpreendidos pelo facto dos nossos corpos poderem servir de empréstimo a um desejo de ruptura projectado por terceiros. Uma frase, pixada na parede de um restaurante, serviu-nos de mote: “dança como se ninguém estivesse a ver-te”. Objectivando a nossa presença, a nossa nudez, o nosso estar perante o outro, incluímos a fotografia, ou melhor ainda, a pose fotográfica e com ela uma certa de ideia de realidade legada ao futuro.

As imagens no tempo, as imagens através do tempo, inspiram histórias. Sentimo-las, a essas imagens fixas, a produzirem matéria para criar sentidos, narrativas. E no entanto não sentimos estar a produzir ou a viver uma história.
Sucederam-se estados de espírito, atmosferas, reminiscências mais ou menos sentimentais de um espaço doméstico que nos é familiar, ou por ter sido vivido, ou por estarmos a vivê-lo, ou por o termos herdado do consumo de música, de filmes, de peças, de livros. E mesmo assim resistimos a criar história, ou a revivê-la. Queríamos antes, e queremos ainda, estabelecer um espaço a partilhar e a ser inscrito pelo público que há-de vir.

Apercebemo-nos então de que o único adereço de cena com que vínhamos trabalhando – um sofá – era ele próprio um marco a definir presenças e ausências: quem ficava, quem esperava, quem partia, quem voltava. Os nossos corpos inscreviam-se no tempo. Conferiam-lhe uma textura.
Um espaço doméstico, um contexto de privacidade, uma impressão de intimidade. Essa textura pouco dizia da nossa identidade e das nossas histórias e narrativas, fossem elas verdadeiras ou ficcionais. Essa textura, fotografada, apenas isolava e fixava um momento: não se tratava de nós, mas de alguém naquele tempo, com as suas nuances, atmosferas, estados de alma, que revelam menos sobre a psicologia do modelo do que sobre a do observador – e que na pintura do séc. XIX se convencionou chamar “figuras de fantasia”.

Rui Catalão

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A Volúpia (Antes) da Imagem

Entrar numa sala de espectáculos corresponde inevitavelmente a fazer uma incursão num território autónomo, para cá do qual subsiste apenas o rumor longínquo das memórias, accionadas pelos jogos performáticos. Untitled. Still Life evoca a suspensão da vida, que passa a ser possível apenas após ter sido submersa no domínio da imagem: desde o início – e fim – o palco adquire o estatuto de plateia, mas somente de modo a que a arbitrariedade gestual do público seja sustida pelo olho, a um tempo cego e omnividente, da máquina fotográfica. A desvelação dos corpos e das suas pulsões efectua-se assim sob a protecção de um ecrã digital, que legitima a génese de uma comunidade sempre micro e sempre contingencial, porque detém como núcleo um sofá estabelecido como cenário constante para um álbum de família. Ainda assim, a distância própria ao ecrã produzido pela imagem confunde-se com um slow motion, em que a envolvência afectiva e/ou erótica se pode propagar. Dilatando os instantes cinemáticos, a ambiência sonora e musical quase imperceptível torna porosas as fronteiras do núcleo comunitário. No entanto, “no hay banda”, os ritmos anímicos são sempre gravados, filtrados, imaginados; são infinitamente distantes e, ao mesmo tempo, excessivamente próximos na sua pertença às memórias e instintos mais primordiais – anteriores à formação de todo e qualquer ecrã.

Colocar os gestos em still, entregá-los a uma suspensão que os aproxima do silêncio dos fósseis, corresponde à inclusão dos seus agentes na intemporalidade das imagens. Em Untitled. Still Life essa condição cobre toda a atmosfera cénica sem, no entanto, nunca acabar por acontecer: se a máquina fotográfica dispara amiúde, os espectadores-actores desconhecem por completo o seu resultado visual. A simultânea omnipresença e iminência dos registos fotográficos, abre espaço para o desejo que, por inerência, existe num perpétuo compasso de espera. Compasso medido pelo aparelho fotográfico, que serve de eixo do espaço cénico (incluindo plateia e palco), de modo a funcionar como mediador nas funções cambiáveis de espectador e de actor. Perpassando para os olhares e gestos dos intervenientes, o still latente na câmara torna iminente a consumação do desejo para o deixar sempre intacto, sempre entregue à sua própria esfera; aqui objectualizado num sofá-palco. As pulsões libidinais e a eternidade prometida pelo tempo líquido da fotografia digital ficam, assim, indistinguíveis, através de poses que conferem lentidão aos movimentos e aos olhares.

Comparecendo num antes da imagem, é como seu negativo que as pulsões irrompem, em que a evanescência por via da fossilização operada no instantâneo fotográfico é desmantelada e a estrutura performativa pode, eventualmente, a qualquer momento ser subvertida por qualquer membro do público, isto é, em que a vida pode despoletar no momento exactamente anterior à irrupção da imagem, em que a banalidade do corpo rasga o ecrã fabricado pelos dispositivos visuais e auditivos. Sendo os ecrãs responsáveis pela autonomia ínfima dos humanos, perante o poder dionisíaco do real, rasgá-los corresponde sempre a acções pontuais e, como tal, à elaboração de um basculamento incessante entre interior e exterior, pelo que ver e ser visto adquire uma reversibilidade irredutível que constitui a génese da volúpia.

Fernando Ribeiro

Conceito Ana Borralho, João Galante e Rui Catalão
Direcção Artística Ana Borralho & João Galante
Dramaturgia Rui Catalão
Co-criação Ana Borralho, Cláudio da Silva, João Galante, Rui Catalão, Yingmei Duan
Colaboradores Antonia Buresi, Francisca Santos, Maria Lemos, Mónica Samões, Yann Gibert
Dispositivo cénico Ana Borralho, João Galante, Rui Catalão
Som João Galante
Produção executiva Ana Borralho, Mónica Samões
Uma produção casaBranca
Co-Produção Útero, DeVIR/CaPa Centro de Artes Performativas do Algarve
Apoio Atelier RE.AL (residência de criação), Grande Cena, Galeria Zé dos Bois
Projecto financiado por MC/DGartes
casaBranca e Associação Zé dos Bois são estruturas financiadas pelo MC/DGartes

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