Aglutinador e agitador central da fértil cena que vai, contra todas as contrariedades, sobrevivendo e inspirando no Cairo, Ahmed El Gazouly regressa a Lisboa já com justificado estatuto de estrela no firmamento da electrónica mais corajosa. ‘Terminal’, álbum lançado em 2018 pela UIQ, pontificou muita coisa para o futuro e soa, ainda hoje, visionário no espírito e a forma como trucida e recria de raíz cânones de género para daí chegar a algo verdadeiramente inaudito mas ainda assim, profundamente real. Tornando mais vestigiais as invocações para a pista de EP’s anteriores como ‘Numbers’ ou ‘Trigger Finger’, ‘Terminal’ cria um espaço físico e mental onde gravações de campo, o desenho espectral da electro-acústica, melodias fractais e despojos rítmicos em mutação de anos de escuta de hip-hop, música tradicional egípcia ou grime se expandem e refugiam continuamente, numa linha que tomaria contornos diarísticos com ‘One’, a entrada de ZULI na celebrada série Documenting Sound da Boomkat.
Sem que esse movimento indicie um abandono da dança, e após ter tido o seu laptop roubado e perdido todo o acervo de sons, ideias e os pre-masters de um EP que nunca iremos ouvir, ZULI reemerge dessa memória trágica para reaparcer com um arsenal de bangers já no ano passado com ‘All Caps’, novamente pela UIQ. Naquele que é talvez o seu disco mais directo, coordenadas do jungle, do footwork, grime e demais polirritmias ancestrais são reconfiguradas novamente para o futuro, sem acessos revisionistas mas com todo o respeito e saber por esse legado. Nesse contínuo, ZULI carrega no Aquário transformado pista a sua profusão de linguagens e destituição de normas para um dj set que se adivinha tão infeccioso como passível de abrir horizontes. À vontade. BS