Muito se tem ensaiado e especulado em redor da natureza híbrida que é a eletrónica segundo Loraine James. Estilisticamente complexa e emocionalmente direta, ao longo de um percurso de três álbuns, sentimo-la mais familiar que nunca. E esse estado familiar parte de um pressuposto de que existirá sempre margem para vê-la e acompanhá-la a partir de uma descoberta própria. Quando o ano passado nos cruzámos com o projecto paralelo Whatever the Weather, sentiu-se um certo distanciamento do frenesim da urbe e um possível desejo de cristalização do momento. Escassos meses depois, e já sob assinatura habitual, surpreende com um reinterpretação única do universo musical do compositor esquecido Julius Eastman. Dois exercícios maiores que espelham uma constante busca expressiva de tons, estados de espírito e memórias fragmentadas; tudo retalhos fulcrais para chegar onde chegámos.
A próxima visão de Loraine James traz estas e outras perspectivas num disco de instintos vincados pelas vivências e pelos desejos num mundo decalcado a cada instante. Gentle Confrontation permite respiro, da mesma forma que expande honestidade. Composições digitais aquosas que se entrelaçam em tecidos R&B tecnológicos, batidas perpendiculares e vocalizações confessionais. Cobra sentido ao tempo, ao que ficou para trás e ao que se antevê – tomando essa fragilidade humana numa eterna noção da espuma dos dias. Profundamente matutino, capta luz e possibilidade, como um despertar revigorante.
Um retorno aguardado à casa que a apresentou ao vivo por cá e que agora se prepara para sintonizar as novas frequências de James. Inigualável. NA
