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Cinema
segundas na z

Cinema Troiano: Arquivos espectrais da Palestina ~ segundas na z

— programação de Cristina Hadwa e Raquel Schefer

seg06.10.2522:00
ter07.10.2522:00
Galeria Zé dos Bois


O, Persecuted, Basma Alsharif, 2014

Cinema Troiano: Arquivos espectrais da Palestina
Programação de Cristina Hadwa e Raquel Schefer em diálogo com Laura Gama Martins

Mahmoud Darwish definia-se como um “poeta troiano”, privado do “direito de narrar a própria derrota”, inscrevendo a sua poesia em que a Palestina é metáfora na longa e espectral “história dos vencidos”. Mais de setenta e sete anos depois do início da Nakba, o que pode a poesia face ao genocídio na Palestina e à ruptura do elo entre o ver e o agir? E o que faz o “cinema de poesia” aos arquivos da história? Através de uma travessia entre o cinema de Jean-Luc Godard e Kamal Aljafari e a obra de Basma al-Sharif, Maryam Tafakory e Lincoln Péricles, esta programação debruça-se sobre a profanação de arquivos, na sua materialidade e espectralidade, como instrumento de uma re-articulação da estética e da ética e de exercício de justiça no cinema de e sobre a Palestina.

Durante as sessões, serão recolhidos donativos (contribuição livre em numerário ou através de QR Code) para a ONG espanhola Paz com Dignidad destinados à Associação Awda, que gere dois hospitais e centros de cuidados comunitários ainda em funcionamento na Faixa de Gaza: mais informações aqui.

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PROGRAMA DO CICLO:

SESSÃO 1
segunda-feira, 6 de Outubro de 2025, 22h

Notre musique, Jean-Luc Godard, 2004, França-Suíça, projecção de extractos de uma duração aproximada de 20’
O, Persecuted, Basma Basma al-Sharif, 2014, Palestina-Reino Unido, 12’
UNDR, Kamal Aljafari, 2024, Alemanha-Palestina, 15’
Filme dos Outros, Lincoln Péricles, 2014, Brasil, 20’

Toda a informação aqui.

SESSÃO 2
terça-feira, 7 de Outubro de 2025, 22h

Mahmoud Darwish: In the Presence of Absence, Maryam Tafakory, 2025, Irão-Reino Unido, 15’
Darwish, la reapropiación de la memoria-geográfica, Cristina Hadwa, 2020, Chile, 8’
Recollection, Kamal Aljafari, 2015, Palestina-Alemanha-Líbano, 70’

Toda a informação aqui.

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Mahmoud Darwish definia-se como um “poeta troiano”, privado do “direito de narrar a própria derrota”, inscrevendo a sua poesia em que a Palestina é metáfora na longa e espectral “história dos vencidos”. No poema “Onze astros incidindo na última cena andaluzina”, canto da perda de Granada em contraponto ao discurso histórico dominante, escrevia o verso “A verdade tem duas caras”.
Obcecado pelo texto perdido dos vencidos, o poeta troiano escreve o seu próprio relato, desvelando a outra cara da verdade, que também nos é narrada pelos presentes-ausentes, como são denominados alguns palestinianos, presentes na geografia do território, ainda quando despojados dos seus lares e terras. Expropriado, mas não derrotado, o troiano procura gravar os seus traços. Darwish, a quem só a língua permitia reconhecer-se, faz alusão à polissemia da palavra árabe “bayt”, que significa “casa” e “verso”. A poesia torna-se, então, uma casa, onde o poeta troiano encontra o seu lugar. Também o cinema é um lugar de encontro, como o afirma o cineasta Kamal Aljafari, prolongando as reflexões de Theodor W. Adorno: “Quem já não tem nenhuma pátria, encontra no escrever a sua habitação. Eu diria que, para os palestinianos, o cinema é um país”.
Mais de setenta e sete anos depois do início da Nakba, o que pode a poesia face ao genocídio na Palestina e à ruptura do elo entre o ver e o agir que estruturou uma parte fundamental da reflexão filosófica do pós-guerra? E o que faz o “cinema de poesia” aos arquivos da história? Através de uma travessia entre o cinema de Jean-Luc Godard e Kamal Aljafari e a obra de Basma al-Sharif, Cristina Hadwa, Maryam Tafakory e Lincoln Péricles, as duas sessões temáticas desta programação debruçam-se sobre o reemprego e a profanação de arquivos, na sua materialidade e espectralidade, como instrumentos de uma re-articulação da estética e da ética e de exercício de justiça no cinema de e sobre a Palestina.
Enquanto ideologia colonial, o sionismo fundou-se na negação de toda possibilidade de auto-representação dos palestinianos, premissa que se prolonga hoje no assassinato sistemático e calculado de jornalistas e realizadores na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Em The Question of Palestine, Edward Said afirmava que “do mesmo modo que o especialista orientalista julgava que era o único a poder falar… em nome dos indígenas e das sociedades primitivas que tinha estudado — a sua presença denotando, portanto, a ausência destes —, os sionistas falaram ao mundo em nome dos palestinianos”. Se a existência de um cinema palestiniano — tal como a de outros cinemas anti-coloniais — constitui historicamente, em si, um acto de resistência, os filmes da programação, que relevam desse quadro, bem como do ressurgir de formas de solidariedade internacionalista, re-inscrevem o povo palestiniano no espaço da representação cinematográfica, re-inscrição simbólica e metonímica no seu território ocupado. Este gesto de justiça é aqui inseparável de uma justeza das formas cinematográficas.
Dando continuidade a uma genealogia que se inicia com os newsreels de Dziga Vertov e se estende aos noticieros cubanos, ao cinema letrista e situacionista ou às actualidades moçambicanas, entre outras declinações, o reemprego — a par do détournement e da profanação — de arquivos nos filmes da programação não só é um procedimento através do qual se cinzela a história troiana, uma contra-história. É também uma forma cinematográfica que, resultando material e enunciativamente de um traçado colectivo, desloca a ontologia do cinema para o terreno da tanatologia espectral e especulativa, entre a poética e a política, a presença e a ausência. “O Feddayin — o sacrificado — … sabe que não verá esta revolução acontecer, mas que a sua própria vitória consiste em tê-la iniciado. Ele pode não saber que a sua imagem, apesar das barreiras Zionistas [sic], irá aparecer-vos hoje”, escrevia Jean Genet em Os Palestinianos. O cinema troiano, com os seus arquivos e figuras espectrais, é uma das frentes onde, entre a casa e o mundo, se joga a vitória.

Cristina Hadwa

Formada em comunicação audiovisual, com estudos em fotografia, cinema documental e experimental, Cristina Hadwa é realizadora e programadora. Tomando como ponto de partida a sua pertença à diáspora palestiniana, Cristina Hadwa baseia o seu trabalho cinematográfico e visual em temas como a investigação da memória, o colonialismo, os epistemicídios e os traços por estes deixados, entrelaçando-os com o mito, a narrativa e a imaginação como formas de resistência.

Raquel Schefer

Raquel Schefer é cineasta, programadora de cinema e professora associada do Departamento de Cinema e Audiovisual da Universidade Sorbonne Nouvelle. É doutorada em Estudos Cinematográficos por essa universidade e mestre em Cinema Documental pela Universidad del Cine de Buenos Aires. Raquel Schefer foi investigadora convidada na Universidade da Califórnia, Los Angeles. É co-chefe de redacção da revista La Furia Umana e foi conselheira de programação dos festivais de cinema IDFA e Encuentros del otro cine (EDOC). Prepara actualmente a programação da próxima edição do Seminário Doc’s Kingdom.

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