Um tiro. Drrrrrrhhh. Uma linha. Drrrrrrrhhhh.
Parecem disparos, numa só direcção.
Gestos que atropelam as marcas no papel; mas após o primeiro disparo, uma nova fenda.
Não nos enganemos. A Beatriz está mais uma vez a tentar encenar qualquer coisa, um novo território talvez, uma catástrofe que se dobra e se desdobra ao longo da exposição.
Primeiro aparece o desenho, em papel e a grafite, às vezes a marcador ou a esferográfica, depois a manipulação digital, o acetato impresso, a retroprojecção, o redesenhar na tela com as dezenas de marcadores permanentes, e finalmente a textura da lã, pressionada na tela.
Fricção científica é um equilíbrio entre intenção e acidente, o intervalo entre a linha que é escolhida e a que se sobrepõe à anterior. As linhas fazem o que querem. Uma empurra a outra, que empurra a outra — traem a fonte.
Deformações criadoras, desaterros da percepção e do processo, a imagem como uma entidade instável. É a abstracção como uma inteligência lenta e material. O compromisso com o inquietante e o inapreensível, uma prática estruturada numa forma de geologia estética, não só no motivo, mas para além disso; na transformação das obras num registo estratificado de pensamento, uma arquitectura do tempo e da pressão.
Adaptado do texto de João Francisco Reis e Rafael dos Santos.



