Um dos mais enigmáticos exemplos sonoros deste tempo, os Demdike Stare já andam há quase duas décadas a explorar o negrume dos confins da eletrónica. O duo da mítica cidade de Manchester é um arquivo humano de música obscura e transgressora. Sean Canty é um renomeado colecionador de discos e habitual colaborador em curadorias para a Finders Keepers, de Andy Votel; Miles Whittaker (aka MLZ/Pendle Coven) é o produtor e dj que Andy Stott acolheu, desde cedo, na sua Modern Love. Do encontro de tamanhos titãs nasce uma banda que ao longo de uma extensa lista de edições continua a povoar um dos mais recônditos e alucinantes campos magnéticos deste planeta.
Desafiando toda e qualquer tentativa de categorização possível, Sean e Miles trabalham, em simultâneo e transversalmente, expressões da dark ambient, jungle, industrial ou bandas-sonoras série B, já esquecidas e empoeiradas. Existe uma expressão muito orgânica na dinâmica sensorial que vai acontecendo no meio da maquinaria alucinatória que comandam. Uma filosofia de tomar a força da natureza das coisas para daí então operar minuciosamente na transformação do caos.
Percorrendo as elementares compilações dos primeiros EPs, numa trilogia que ainda hoje soa inacreditável, entendemos as origens de onde esta força saiu. Inspirados no nome de uma alegada bruxa queimada viva no século XVII, paira uma vez mais essa necessidade de resgate histórico – e como extrapola, por instinto, para a especulação de um esoterismo sónico. Evocam o gelo dos Autechre, a radiação dos Throbbing Gristle ou o horror vintage de Carpenter com semelhante destreza, enquanto mantêm o radar numa envolvente e permanente instalação de som transformado em imagem. Com Wonderland e Passion mereceram reconhecimento por um público mais vasto, assim como, rasgadas prosas de arrebatamento por parte da imprensa musical. Isto com o entendimento de que continuam a ser antimatéria pura (e um dos mais fiéis refúgios à previsibilidade criativa).
Depois de uma passagem pelo festival bracarense Semibreve, em 2014, esta visita dos Demdike Stare a Lisboa será um dos momentos altos nesta temporada. Para sempre uma carta fora do baralho e um concerto com aquele óbvio sentido de obrigatoriedade. NA