Querido leitor,
De como Mané Pacheco interveio na exposição permanente do Museu Militar de Elvas – secção dos arreios e nas salas do serviço de saúde do exército, a saber, secção de oftalmologia, secção de medicina dentária e secção de ortopedia – e de como isso não é um acaso, ou ainda, de como as casualidades enformam a arte e como dela podemos fazer qualquer coisa sem deixar de nos entreter.
Na segunda sala do Museu, na secção dedicada aos aparelhos das cavalgaduras a artista colocou num primeiro plano uma nova serie de arreios especulativos passíveis de serem usados. As suas dimensões desproporcionadas anulam a possibilidade da escala humana anunciando um corpo zoomorfo e sugerindo disfuncionalidades; a sua materialidade, a borracha, utilizada na sua feitura, remete para os conhecidos ciclos extrativos que provocaram a mobilização de uma grande quantidade de indivíduos obrigando-os a um regime de trabalho próximo da escravatura; e o seu desenho, evoca os artefactos utilitários nos jogos de dominação BDSM.
Mais à frente, seguindo pelo corredor e após vários núcleos, chegamos à cirurgia geral. Ladeando o esqueleto de um cavalo, um ser rarefeito apresenta-se imóvel na sua pose elegante. Ao aproximar-nos reparamos que não possui cabeça: a sua acefalia suspende o sujeito libertando-o da sua racionalidade.
Na secção seguinte, a dentária, é-nos presenteada uma entidade insólita cujo contorno é um cavalo revestido de pelo sintético. Operação muito cara à artista na produção de entidades outras onde o natural e o sintético se entrecruzam.
Chegados à traumatologia, deparámo-nos de seguida com uma série de tiras elásticas dependuradas cuja cor-de-pele nos remete para material hospitalar. A sua feitura é um cruzamento entre borracha e aço, sendo este último ora pungente ora estruturante. A fazer o fundo, uma cama operatória de 360º. Um aparelho que fora utilizado no passado para recompor corpos, reparar traumatismos múltiplos, colar ossos e re-alinhar orgãos.
Os trabalhos de Mané Pacheco presentes nesta exposição transportam uma autonomia estética e simbólica própria escapando à armadilha de uma crítica fácil ao militarismo ou da denotação clara à história nacional. A estranheza dos seus objectos são aqui realçados ao serem colocados neste enquadramento.
Não só de arte vive o ser humano também de arreios!
Natxo Checa
28 Junho 2024