No fim do século XVIII, Francisco de Goya lançou a primeira edição de Los Caprichos, uma série satírica de oitenta águas-fortes, que criticava aspectos da sociedade espanhola sem poupar nenhuma instituição ou classe social. Uma das estampas mais celebradas, intitulada Ni mas ni menos, retratava um retratista e um modelo, ambos caricaturados como animais: o macaco pintor da corte malandro por natureza, e o burro símbolo da classe aristocrática. A alegoria de Goya relembra-nos a personagem principal desta exposição, o herói de Artur Varela, O Burro.
Para quem desconhece Artur Varela (1937-2017) será este porventura o último dos artistas por revisitar da célebre Alternativa Zero, exposição multidimensional e seminal para a Arte contemporânea portuguesa no pós 25 de Abril, organizada pelo igualmente célebre Ernesto de Sousa.
O Artur, nascido em Almodovar, foge para a grande Lisboa, livra-se da Belas-Artes e no dia em que acaba o curso, em 1963, foge para Paris e depois para a Holanda, país que o naturalizou “van der Hella”, escultor premiado. Dez anos depois, regressa a Portugal, onde só no final da década de 1980 dá à costa portuguesa definitivamente.
A adoração à arte do infame Artur, na Galeria Zé dos Bois, terá dois momentos.
O primeiro momento centra-se na relação corrosiva e caricatural que o artista teve com a terrinha dos brandos costumes. O humor do Artur é uma operação conceptual omnívora que se apropria da Arte para arrasar, nem mais nem menos, com qualquer estrutura de poder.
Ele escarra nos meninos doutores, beatas e padres pedófilos, no poder mesquinho, no milagre do Estado e da Igreja, no onanismo imperial e no lastro ranhoso da epopeia trágico-marítima…
No segundo momento desta exposição celebramos a descrença de Varela no séquito palaciano do mundo da arte, do qual podemos ou não fazer parte. Uma ironia que acolhemos de dentes bem à mostra.
Lisboa, 30 Novembro 2023
os amigos de Artur