Um género em si mesmo. Apesar de todas as tentativas e ficções para de alguma forma situar este trio Australiano em determinada narrativa ou taxonomia ,não temos ainda paleio teórico que contenha a sua insularidade senão reconhecer esta música inventada pelos The Necks ao longo destas quase quatro décadas como tal. Uma fabulação triangular onde derivas do jazz, do minimalismo, do ambientalismo, improvisação livre ou mesmo do pulsar rock confluem num mesmo movimento. Um feito que tem vindo a ser contínua e sobriamente depurado desde que ‘Sex’ apareceu neste Mundo em 1989 vindo virtualmente de nenhum lugar ou tempo reconhecíveis. Ainda hoje por aí habitam. Formados em 1986 por Chris Abrahams no piano e nos órgãos, Tony Buck na bateria e na percussão e Lloyd Swanton no baixo e contrabaixo a partir da pergunta aparentemente simples mas carregada de simbolismo de Abrahams de “What if we just, you know, play music?”, os The Necks têm procurado ao longo de todo este tempo dar resposta a essa questão através de inúmeras aparições ao vivo, uma mão cheia de registos dessas mesmas, quase duas dezenas de álbuns de estúdio e um par de bandas sonoras. Resposta que se tem reformulado numa lógica que não obedece à progressão linear, assente numa conduta e empatia absolutas nessa triangulação, e sempre, sempre improvisada.
Aquando do convite para tocarem ‘Sex’ numa série de concertos dedicada a “álbuns clássicos”, Abrahams prontamente declinou com um “That’s not how we make music. It would make no sense.” Prova de um processo que partindo essencialmente da mesma instrumentação acústica – piano, bateria e contrabaixo – se vai deixando contaminar por alguma electrónica ou guitarra e tem encontrado sempre formas de reinventar essa mesma linguagem tatuada desde o início. Um contínuo, se assim o quisermos, que tem dado origem – e aqui podemos ler o termo no seu sentido mais profundo – a algumas das digressões mais hipnóticas de que há memória, cravada em discos como na suspensão austera de ‘Silent Night’, nas inflexões jazzy repetitivas de ‘Piano Bass Drums, nos mistérios de ‘Chemist’ ou no groove esquinado de ‘Three’, em peças que geralmente ascendem a uma hora ou se capitulam em três momentos de 20 minutos. Coerência, sempre. ‘Bleed’, lançado no ano transacto, continua essa magia dissimuladamente simples, naquele que é um dos seus testemunhos mais atmosféricos e pacientes, onde notas esparsas e decisivas de piano são ancoradas no movimento lento do baixo e iluminam texturas de guitarra e percussão. O mesmo de sempre mas sempre diferente? Para semi-parafrasear essa mítica afirmação de John Peel sobre The Fall. Pensemos antes num diálogo aberto, infinito do qual vamos colhendo, sempre fascinados, alguns vislumbres. Um privilégio. BS