Um Museu Vivo de Memórias Pequenas e Esquecidas – Teatro do Vestido
— Um Museu Vivo de Memórias Pequenas e Esquecidas – 7 palestras performativas sobre a Ditadura, a Revolução e o PREC
No 40º aniversário do 25 de Abril, o NEGÓCIO acolhe uma criação profunda e particular sobre este período crucial da história de Portugal.
.
Este projecto parte de uma pesquisa sobre as memórias da história recente de Portugal, numa perspectiva histórica, política e afectiva, e com base em testemunhos de pessoas comuns – desafiando as grandes narrativas destes 3 períodos/ acontecimentos, que se têm construído sobretudo sobre a ideia de protagonistas militares e políticos. Quisemos saber onde ficavam as pessoas no meio destas memórias, e destas narrativas, e como é que a transmissão deste período crucial da história de Portugal se opera nos dias de hoje. Que omissões, revisões, rasuras estão a acontecer e como e por quem? Que versões da história nos são ensinadas e que outras podemos aprender? Segundo Jenkins, a história e o passado não são a mesma coisa. Segundo Elizabeth Jelin, a memória é uma luta. Segundo Hayden White, a história é uma narrativa. E, por fim, segundo Marianne Hirsch, a 2ª e 3ª gerações são aquilo a que ela chama ‘gerações da pós-memória’. A nossa memória é, portanto, pós e é nessa condição de um ‘outro olhar’ que construímos estas sete palestras performativas, como uma lição de história que não se aprende em nenhuma disciplina que conheçamos – e talvez por isso mesmo estejamos a construir este espectáculo: por nunca o termos podido aprender mesmo quando pedimos que nos ensinassem, que nos contassem como as coisas se tinham realmente passado.
O ano de 2014 marcar o 40º aniversário do 25 de Abril não é uma coincidência.
“There is a secret agreement between past generations and the present one.” (Walter Benjamin)
Em Portugal, na ausência de uma Comissão da Verdade e Justiça[1], ou algo semelhante, são os activistas e cientistas sociais, bem como os artistas, quem tem levado a cabo esse paciente trabalho de reconstituição, contra a usura do tempo e das ideologias vigentes que, cada qual à sua maneira e de acordo com a sua agenda, têm procurado – mais do que estabelecer pontos de vistas – reescrever a história.
Paula Godinho descrevia assim em 2011, o que ela considera ser um fenómeno desde o final dos anos 80, “que passa pela desqualificação dos momentos revolucionários, pela sua avaliação com ressalvas ou pelo completo banimento, e, concomitantemente, por uma desvalorização do carácter repressivo do Estado Novo, por imposição de uma agenda política mais generalizada.”
e acrescenta:
“…falar e escrever acerca de revoluções e revolucionários não está na moda (…)” (Paula Godinho, introdução a Aurora Rodrigues, Gente Comum – Uma História na PIDE, Castro Verde: 100Luz, 2011)
.
O Museu Vivo é actualmente um conjunto de sete palestras performativas e um prólogo, em estreia absoluta no Negócio/ZDB:
Prólogo
Onde se fala de uma fotografia tirada na escola primária, cuja directora se veio a descobrir ser a filha de Marcello Caetano, e de uma memória de infância da noite da reeleição do General Ramalho Eanes, em 1980.
Pequenos Actos de Resistência
Onde se fala de algumas das construções culturais, nacionais, sociais sobre as quais se funda o Estado Novo, e se faz o contraponto de uma resistência cultural a essas construções. Onde se fala da forma mais disseminada de resistência naquela altura: a compra de livros proibidos. Usam-se testemunhos de pessoas que compravam esses livros e de outras que os vendiam. Fala-se das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, e de uma lista de livros proibidos descoberta incidentalmente em 2013 numa biblioteca em Londres. É aqui também que se faz um parêntesis alargado sobre a Guerra Colonial.
Arquivos Invisíveis da Ditadura Portuguesa
Onde se fala da forma invisível como o aparelho repressivo actuava durante a Ditadura do Estado Novo, e alguns dos actos de resistência para combater essa invisibilidade. Onde se fala da violência da polícia política a partir de testemunhos. Onde se fala de Ribeiro Santos e do marcante dia do seu funeral. Onde se faz uma passagem para a Revolução e se conta a história do desaparecimento de uma placa memorial, única menção de que um condomínio de luxo na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, foi em tempos a sede da PIDE naquela cidade. Esta palestra inclui fragmentos de uma outra: Sobre o Silêncio que Persiste – que trata de aspectos específicos do processo de tortura e prestação de declarações à PIDE durante o Estado Novo.
Português Entrecortado
Onde se descreve o golpe do 25 de Abril a partir das comunicações rádio, imortalizadas em livros como “Aqui Emissora da Liberdade” de Matos Maia.
Fragmentos de um Processo Revolucionário
Onde se contam várias histórias, em fragmentos, a partir de documentos e testemunhos de pessoas que participaram activamente em diversos acontecimentos do processo revolucionário – como ocupações de propriedades, brigadas do Serviço Cívico Estudantil, processo SAAL, constituição de cooperativas culturais, entre outros.
Espantados de Regressar – História de uma família
Onde se fala do processo de descolonização. Onde se mostram as complexidades de um processo até hoje mal resolvido e problemático.
Quando é Revolução Acabou?
Onde se começa por encontrar uma caixa que se ia doar ao CD 25 de Abril mas que não chegou a sair de casa. Onde, a partir dessa caixa, se descobrem mais livros que já não cabem nas estantes e deixaram de ter lugar na vida e na arrumação doméstica, os chamados ‘livros revolucionários’ de outrora, e assim se reflecte sobre quando se acabou essa revolução em que eles – os donos do livros – acreditaram. Onde se apresentam várias teses para esse término, recorrendo para isso a narrativas oficiais e outras menos, e a alguns testemunhos.
Pós-geração
Onde se reflecte sobre o agora, 40 anos depois, e que comemorações foram essas a que assistimos. Onde se fala dessa geração que nasce no pós e cresce nesse pós mas com a memória dos que viveram esses acontecimentos muito presente, e de como essa memória parece desvanecer-se de geração em geração (como será talvez normal), mas de como alguns dentre esses que nasceram no pós mas parece até que o viveram, nos confessam: “ainda hoje me emociono com as memórias da revolução.”