Michael Jordan Bonema é um construtor de mundos. A partir da sua música, esse processo de construção leva-o a diferentes papéis de criador: existem as canções onde o escutamos a descobrir e perceber não só o que o rodeia como aquilo que o move; também temos a sua editora 10k ou o seu festival, Young World, que já vai na terceira edição e que reflecte o seu gosto pessoal e o seu entendimento do que é o rap não-mainstream dos Estados Unidos da América; as duas últimas levam-nos à terceira e, diríamos, a mais importante: o seu sentido de (líder de) comunidade (encontrem-no num palco, ou num disco, com a maior, e mais unida, comitiva que possam imaginar).
Para chegarmos aqui, nada como juntar muito talento, bastante trabalho e os co-signs certos. Mas antes vamos a algumas notas soltas que podem ser interessantes para conhecê-lo melhor: MIKE viveu em Inglaterra durante cinco anos ainda antes da adolescência e lá consumiu (muito) grime. Quando regressou aos EUA, mais concretamente a Filadélfia, o instrumental de “All Caps”, faixa de Madvillainy, foi onde decidiu usar a primeira rima que escreveu. Earl Sweatshirt comprou longest day, shortest night, projecto que Bonema lançou em 2016 no Bandcamp, por 45 dólares. O autor de Doris tornar-se-ia um dos seus mentores, mas também se pode afirmar que a influência foi sentida na direcção contrária (basta ouvir com atenção Some Rap Songs e o que se seguiu). Não admira que se tenham tornado grandes amigos e colaboradores regulares.
Depois de impressionar com trabalhos como MAY GOD BLESS YOUR HUSTLE (2017), War in my Pen (2018), weight of the world (2020), “Disco!” (2021) e Beware of the Monkey (2022), Burning Desire, um dos seus mais recentes discos (menos de um mês antes brilhou ao lado de Wiki e The Alchemist no álbum Faith Is A Rock), mostra-nos um artista cada vez mais aguçado na escrita (e mais esclarecido na forma como transpõe as dores e as alegrias para palavras) e na produção (enquanto dj blackpower, o seu alter-ego de beatmaker, vemo-lo a alcançar novos e entusiasmantes níveis em canções como “plz don’t cut my wings”, “U think Maybe?” ou “should be!”). E, mais uma vez, o sentido comunitário volta a aparecer: Liv.e, Venna, Klein, El Cousteau, Niontay, Lila Ramani, Larry June, mark william ellis e Earl Sweatshirt acompanham MIKE em mais um retrato de família (que não pára de crescer). Alexandre Ribeiro