Nelisita (1982) de Ruy Duarte de Carvalho
sessão pensada e apresentada por Sofia Afonso Lopes
De e para Angola: Nelisita ou aquele que se gerou a si mesmo
Rodado junto das mesmas populações do Sudoeste de Angola que haviam já integrado a série documental Presente Angolano, Tempo Mumuíla (1979), Nelisita (1982) constitui-se enquanto a primeira longa-metragem ficcional de Ruy Duarte de Carvalho e a primeira ficção africana, de baixo orçamento, filmada integralmente numa língua local: o lumuíla. Com um roteiro composto a partir da intersecção e justaposição de duas peças da literatura oral nyaneka – “Um homem e sua mulher num ano de fome” e “O monstro e a mulher grávida” – Carvalho propõe-se, então, a urdir uma peça válida e sustentável em si própria.
Filmada em Agosto de 1981 – em plena invasão sul-africana do território e num momento em que Angola se encontra engolida pelo conflito civil que perdurará até 2002 –, a longa-metragem é também fruto das dificuldades logísticas e materiais que, então, se impunham, contingências essas que embora se encontrem na génese de uma imagem que surge, por vezes, imperfeita do ponto de vista técnico, em nada comprometem a qualidade e exigência estéticas do filme. Hoje, e volvidos mais de quarenta anos desde a sua estreia, Nelisita continua a afirmar-se enquanto um dos contributos mais originais e cativantes da cinematografia angolana, diluindo e esbatendo fronteiras – como, aliás, toda a produção de Carvalho o fez – entre documentário e ficção, entre intérpretes e personagens, entre indivíduo e colectivo, entre tempo histórico e tempo mítico.
A fome domina o mundo e apenas restam vivos dois homens com as suas famílias. Um deles parte em busca de comida e encontra um armazém onde certos «espíritos» guardam enormes quantidades de géneros alimentícios e roupas. Apropria-se do que pode transportar e volta mais tarde acompanhado do seu vizinho. Este deixa-se apanhar e denúncia aos «espíritos» a sua morada e a do seu companheiro. Os «espíritos» aprisionam toda a gente menos uma mulher que se descobre grávida, para que esta venha a ter o filho e assim se apossarem de mais um ser vivo. Nasce então Nelisita, aquele que se gerou a si mesmo. Este ludibria o «espírito» que o vem buscar, a si e à sua mãe, que acaba por ser levada. Nelisita parte à sua procura e apresenta-se ao rei dos «espíritos» para reclamá-la. O rei dos «espíritos» alicia Nelisita a passar para o lado dos que monopolizam a comida. Nelisita resiste. Será submetido a várias provas, mas socorre-se dos animais da criação, seus aliados, para os vencer. Perante o poder de Nelisita, os «espíritos» fogem amedrontados. Nelisita salva os seus e recondu-los a casa montados no carro dos «espíritos», transportando tudo o que se encontrava no seu armazém.
– sinopse por Ruy Duarte de Carvalho