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Transdisciplinar
segundas na z

Nelisita (1982) ~ segundas na z

— sessão pensada e apresentada por Sofia Afonso Lopes

seg17.02.2522:00
Galeria Zé dos Bois


Nelisita (1982) de Ruy Duarte de Carvalho
Nelisita (1982) de Ruy Duarte de Carvalho

Nelisita (1982) de Ruy Duarte de Carvalho
sessão pensada e apresentada por Sofia Afonso Lopes

De e para Angola: Nelisita ou aquele que se gerou a si mesmo

Rodado junto das mesmas populações do Sudoeste de Angola que haviam já integrado a série documental Presente Angolano, Tempo Mumuíla (1979), Nelisita (1982) constitui-se enquanto a primeira longa-metragem ficcional de Ruy Duarte de Carvalho e a primeira ficção africana, de baixo orçamento, filmada integralmente numa língua local: o lumuíla. Com um roteiro composto a partir da intersecção e justaposição de duas peças da literatura oral nyaneka – “Um homem e sua mulher num ano de fome” e “O monstro e a mulher grávida” – Carvalho propõe-se, então, a urdir uma peça válida e sustentável em si própria.

Filmada em Agosto de 1981 – em plena invasão sul-africana do território e num momento em que Angola se encontra engolida pelo conflito civil que perdurará até 2002 –, a longa-metragem é também fruto das dificuldades logísticas e materiais que, então, se impunham, contingências essas que embora se encontrem na génese de uma imagem que surge, por vezes, imperfeita do ponto de vista técnico, em nada comprometem a qualidade e exigência estéticas do filme. Hoje, e volvidos mais de quarenta anos desde a sua estreia, Nelisita continua a afirmar-se enquanto um dos contributos mais originais e cativantes da cinematografia angolana, diluindo e esbatendo fronteiras – como, aliás, toda a produção de Carvalho o fez – entre documentário e ficção, entre intérpretes e personagens, entre indivíduo e colectivo, entre tempo histórico e tempo mítico.

A fome domina o mundo e apenas restam vivos dois homens com as suas famílias. Um deles parte em busca de comida e encontra um armazém onde certos «espíritos» guardam enormes quantidades de géneros alimentícios e roupas. Apropria-se do que pode transportar e volta mais tarde acompanhado do seu vizinho. Este deixa-se apanhar e denúncia aos «espíritos» a sua morada e a do seu companheiro. Os «espíritos» aprisionam toda a gente menos uma mulher que se descobre grávida, para que esta venha a ter o filho e assim se apossarem de mais um ser vivo. Nasce então Nelisita, aquele que se gerou a si mesmo. Este ludibria o «espírito» que o vem buscar, a si e à sua mãe, que acaba por ser levada. Nelisita parte à sua procura e apresenta-se ao rei dos «espíritos» para reclamá-la. O rei dos «espíritos» alicia Nelisita a passar para o lado dos que monopolizam a comida. Nelisita resiste. Será submetido a várias provas, mas socorre-se dos animais da criação, seus aliados, para os vencer. Perante o poder de Nelisita, os «espíritos» fogem amedrontados. Nelisita salva os seus e recondu-los a casa montados no carro dos «espíritos», transportando tudo o que se encontrava no seu armazém.

– sinopse por Ruy Duarte de Carvalho

Ruy Duarte de Carvalho

Autor de uma vastíssima e diversificada obra, Ruy Duarte de Carvalho foi um escritor, antropólogo e cineasta angolano. Antes ainda da proclamação da independência de Angola, principia a sua actividade cinematográfica com a realização de uma série documental, de produção colectiva, intitulada Sou Angolano, Trabalho com Força (1975). Também em ’75, documenta os dias que antecederam o tão esperado 11 de Novembro em Angola, registando igualmente as festividades de celebração da soberania do território num bairro periférico de Luanda, no filme Uma festa para viver (1975). Nos anos que se seguem, Carvalho descentra o seu olhar da capital, investindo numa praxis cinematográfica que se constitui nas franjas e margens da nação. É durante este período que realiza a série documental Presente Angolano, Tempo Mumuíla (1979), junto das populações ovamwila do Sudoeste Angolano, com quem virá a filmar, pouco tempo depois, a ficção Nelisita (1982).

Durante o período em que produziu cinema (1975-1989), o material imagético de Carvalho ocupou um lugar de relevo na cinematografia angolana, sendo projetado não só no país, mas também em circuitos internacionais, alguns dos seus filmes somando galardões em festivais tão diversos como o FESPACO: Festival Panafricain du Cinéma de Ouagadougou (Burquina Faso), Le Festival International du Film d´Amiens (França) ou o Festival de Aveiro (Portugal), entre outros. Comprometido com o presente angolano, com aqueles e aquelas que habitam as mais variadas paisagens do território, o cinema de Ruy Duarte de Carvalho é um cinema da palavra e do testemunho, do gesto e dos afectos, onde couberam e cabem as mundividências plurais de que se fez e faz a nação.

Sofia Afonso Lopes

Sofia Afonso Lopes é licenciada em Estudos Artísticos – Artes e Culturas Comparadas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL). Em 2022, e na mesma instituição, concluiu o mestrado em Estudos Portugueses e Românicos, na especialidade de Estudos Africanos, com uma dissertação sobre cinema em Angola entre os finais da década de 20 e os primeiros anos da independência do país. Actualmente, frequenta o Programa Interuniversitário de Doutoramento em História: mudança e continuidade num mundo global (PIUDHist) onde desenvolve, com uma bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), um projecto sobre os cinquenta anos do cinema angolano (1975-2020). Foi também bolseira de investigação do projeto AfroLab – A Construção das Literaturas Africanas. Instituições e Consagração dentro e fora do Espaço de Língua Portuguesa (1960-2020). As suas principais áreas de investigação são os Estudos Visuais, História Contemporânea de Angola e Estudos Pós-Coloniais, tendo publicados ou no prelo vários artigos em revistas científicas, bem como capítulos de livros.

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