Com uma trajetória profundamente idiossincrática, Sam Shackleton tem mapeando novos cenários e configurações à eletrónica atual. Agitador na forma de pensar e recriar a herança musical jamaicana, foi nesse sentido um dos pioneiros do dubstep. Levou o género a latitudes impensáveis, desmontando e ampliando a sua estrutura genética como um laboro alquimista. Ainda hoje ninguém soa como Shackleton; em defesa disso podemos evocar a maravilhosa exploração de nuances, relembrar a palete sónica que desenvolveu ou simplesmente assinalar a curiosidade infinita que o caracteriza enquanto artista. Ao lado de Laurie Osbourne, fundou a brilhante Skull Disco, pequena, mas influente label, cujas edições se transformaram rapidamente em documentos históricos. Documentos esses a que se junta uma extensa e improvável discografia, quer em nome próprio, quer em formato colaborativo. Contas feitas, são quase duas décadas em que continua a derreter as fronteiras estilísticas da música contemporânea – o espectro, esse, já é relativamente imensurável.
A obsessão pelos espaços liminares das coisas confere-lhe um entendimento quase quântico em redor de timbres, noções harmónicas e um riquíssimo e mutante léxico rítmico. Não obstante, existe uma qualquer qualidade orgânica dos seus álbuns que o conectam com a substância “para lá do visível”. Talvez naquele que seja o seu disco mais ambicioso à data, Music for a Quiet Hour/The Drawbar Organ Eps continua, anos depois, a transportar-nos para bem longe. Lugares imaginados, alguns recônditos até, cuja capacidade de elevar é real. Uma rara hipnose digital de vozes, pulsações e elementos esotéricos. Nos sequentes Devotional Songs e Behind the Glass adensou estas noções em temas de maior duração – e definitivamente atingindo outro sistema solar. Assinou nos últimos anos uma remessa de álbuns inacreditáveis gravados com Waclaw Zimpel, Takumi Motokawa ou Heather Leigh. É neste presente ano, e ainda no formato de colaboração, que surpreendeu meio mundo com dois elegantes trabalhos a meias com Ben Chasny aka Six Organs of Admittance e Holy Tongue, de Valentina Magaletti. Talvez nunca como agora tenhamos esta visão experienciada, e de proporção holística, de que Shackleton é um epicentro e íman energético para música profanamente sagrada. Cada disco assume-me como uma espécie de masterclass, sem saber exactamente ao que vamos – mas sabendo que temos de ir. NA