Chegar a este dia, ano e século e celebrar um concerto dos The Ex é motivo de intenso e imenso júbilo. Nenhuma banda moldada pelos anos de chumbo do punk vive hoje com a mesma liberdade e juventude. E agita os corpos e as consciências com o mesmo vigor. Alguns músicos já partiram (o lendário vocalista G.W. Sok, os baixistas René e Luc), mas o som nunca parou de se expandir com a presença de amigos e convidados, para outros universos. Volvidas mais de três décadas, a obra The Ex é a expressão de um estilo de vida feito música e vice-versa. Começaram nos finais dos anos 1970, na cena punk holandesa, empenhados em usar a energia da música popular ao serviço de uma militância política. Sem o radicalismo dos Crass ou o lirismo dos Minutemen, abraçaram a poética musical das Raincoats, das Slits ou dos The Fall: “punk” convulso e frágil, suspenso em arames, mas directo e abrasivo, como se ouve nos três primeiros discos. As guitarras e o baixo foram sempre objectos privilegiados – o encontro com os Sonic Youth nos anos 1980 e a cumplicidade com Steve Albini atestam esse traço – mas os The Ex não se limitaram a importar uma linguagem. Esta foi desde cedo um meio aberto a outros instrumentos (trombone, acordeão, gaita de foles, trompete) e idioma musicais (Hungria, Turquia´, África, Irão). Poucos podem reivindicar com a mesma justeza a condição de banda do Quarto Mundo, o que não atrapalha (pelo contrário) a filiação europeia. A ironia das letras, a melancolia a contaminar as melodias, uma certa consciência história e política (patente em “Joggers and Smoggers”, de 1992, ou em Scrabbling at the Lock, com Tom Cora, de 1911) inscrevem os The Ex no lastro do pós-punk europeu (é possível descobrir afinidades com gente tão diversa quanto os Minimal Compact, os Bad Seeds de Nick Cave, 23 Skidoo, Pop Group ou os The Mekons, com quem aliás gravaram). No século XXI, continuaram em movimento com a mesma generosidade e grandeza, afinando os riffs, os refrões e as vozes contra a mercantilização da vida, a violência das (grandes) instituições e sanha da competição e do lucro. Basta recordar a urgência que atravessa “Dizzy Spells”. Entretanto, foram-se furtando definitivamente a géneros ou categorias que os pudessem identificar. Em 2004, com “Turn”, emularam os ritmos dos Konono Nº1 e em 2010 convocaram os sopros de Mats Gustafsson, Roy Paci, Ken Vandermark and Wolter Wierbos para uma digressão europeia. Indiferentes a centros e as periferias, ou a prontos a redesenhá-los, viajaram à Etiópia, colaboraram e gravaram com o saxofonista Getatchew Mekuria, professando um amor pela música africana que se materializa em discos soberbos (“Moa Anbessa” e “Y’Anbessaw Tezeta”). O mundo nunca foi demasiado grande para a festa instalada pelo poder seco e tenso das canções desta banda de nome pequeno. E aqui está ela, hoje. Celebrem-na como se não houvesse amanhã. JM