Pólo criativo ímpar há já cerca de quinze anos, a metamorfose constante dos Xiu Xiu continua a surpreender. Continua também a suscitar fervorosas declarações de amor e de repulsa. Acima de tudo, continua a pôr à prova a sua arte, colocando-a num fio da navalha e espelhando algo brutalmente imprevisível, visceral e honesto. Na verdade não existe outra banda contemporânea a comunicar esse sentimento de angústia humana como eles. Da lírica irónico-trágica à estética musical vanguardista, do design perturbador dos discos até à interacção pouco ortodoxa com os fans, nada nos Xiu Xiu segue uma fórmula ou um padrão de ‘normalidade’ – e a longa e dispersa discografia demonstra-o em primeira mão.
Após uma época absolutamente dourada com álbuns que a passagem do tempo lhes atribuíu um certo estatuto, e de onde ressaltam ‘Knife Play’, ‘A Promise’ e ‘Fabulous Muscles’, seguiu-se um fluxo – já menos consensual – de obras que embora não fossem menores, optavam sim por uma abordagem sonora aparentemente familiar mas sempre desafiadora. De resto, Jamie Stewart, epicentro genial deste furacão, tem assumido um sem número de colaborações diversas, dignas de sonho. E os convites têm-se multiplicado nos últimos anos: desde apresentações com os Swans durante a digressão de promoção de ‘The Seer’ até à notável reinterpretação da banda sonora de ‘Twin Peaks’, comissariada pela australiana Queensland Gallery of Modern Art. Desafios que assumem a melhor recompensa possível para quem se dedica a edificar uma obra artística pujante como a de Xiu Xiu.
O fascínio pela cultura asiática não é propriamente uma novidade no imaginário de Jamie Stewart, epicentro deste furacão; de facto ela esteve sempre presente, fosse na montra de bizarrias que é o seu blog, fosse no nome da banda, originário de um título de filme chinês de 1998. Dada essa afinidade, o projecto de musicar “Under the Blossoming Cherry Trees” foi para além de natural, quase que obrigatório. Realizado por Shinoda Masahiro, em 1975, trata-se de um dos objectos cinematográficos mais inusitados da expressão nipónica. Uma narrativa fantástica, de contornos grotescos, e no entanto portadora de um encanto inesperado. Tida como obra maior e extremamente influente nos anos seguintes numa nova vaga de artistas audiovisuais, a possibilidade de a testemunhar numa tela de grandes dimensões justifica um interesse sem paralelo.
Suscitando entusiasmo por onde tem passado, este espectáculo distingue-se para lá das fronteiras da música ou do cinema. É sim uma experiência sensorial, atenta a detalhes, aos silêncios e ao clímax de dois representantes máximos dessa relação, nem sempre usual, entre o extremo e o belo. E não há como resistir a isso. NA