ANAMNESE DE H. *
Colei cartazes com o meu nome pelas ruas vazias da cidade.
Sem ti, sou só a solidão de cara franzida. Aguardo de esquina em esquina, de parque em parque, nos degraus das igrejas que se esburacam, nos ausentes bancos onde os pedintes se rebolam, reconhecer o cheiro do teu suor e esfregar-me nas manchas dos teus trapos ressequidos. Trespassar com os meus calejados dedos por entre a virtude dos teus atributos, tantos que eram capazes de suster a minha respiração. Enrolar-me nos pingos que aí se prendem, beber-te de imediato.
Onanizar a grandeza de todos com sisudez, porquê? Estou só no mundo, Genet.
* ANAMNESE DE H. é uma abordagem consequente ao objecto duracional HELIOGÁBALO, estreado em Dezembro de 2023, n’A Piscina (Porto). HELIOGÁBALO resulta da pesquisa O FLORESCIMENTO PRODIGIOSO DA RAIVA, integrada no projecto-curadoria “All Tomorrows Parties” dos Silly Season e da Rua das Gaivotas.
HELIOGÁBALO é um objeto híbrido que esbatendo as fronteiras e formas clássicas e negando a expressão artística como divisível, resulta de uma simbiose entre as artes performativas, visuais e sonoras. O teatro e a dança, a performance, o cinema, a fotografia e a música confluem para a criação de uma narrativa não-linear. O seu contexto estético e dramatúrgico recai, ancorado na palavra literária de Genet e no corpo performativo-narrativo, na desconstrução do corpo-matéria e do corpo-memória, na coexistência arte-veiculo, arte-ritual e ritual-performance (Grotowski) e no lugar corpóreo do teatro da crueldade (Artaud).
HELIOGÁBALO pretende ser uma experiência sensorial onde o público, os performers e os músicos se encontram. Um lugar místico de emoções onde os corpos se cruzam no ruído industrial da música electrónica e na melodia dos instrumentos, na projecção da imagem sublime, na voz que ecoa a poética da palavra e do pensamento, na luz que se vislumbra por entre as esculturas, e na dramaturgia da fisicalidade do corpo-acção.
HELIOGÁBALO é uma performance site-specific que se procura instalar em diversos espaços para que a mesma se possa ir transformando pela adaptação às características de cada lugar, mas também pela consciência da passagem do tempo (a memória) e da verdade em cada momento-acção (apresentação) – originando, desta forma, diferentes objectos estéticos. Acreditando que um objecto artístico dificilmente se finaliza, pois há uma constante construção ou mutação do mesmo; interessa pensar o processo criativo como o eixo primordial da arte. Grotowski, ainda sobre a Arte como Veículo, refere que o teatro (a arte) se deve reger pelo seu processo pois é nele que o intérprete/criador se permite descobrir através da imersão no seu corpo-consciente.