Este espectáculo teve como ponto de partida experiências de personificação do Pai Natal no contexto de animações em centros comerciais entre 2011 e 2013. Surgiu ali a ideia de escrever uma mentira que virasse do avesso aquilo que tomamos como a verdade do que acontece no natal. Uma grande mentira para ser contada de um espaço cénico para uma plateia. Usar o teatro para revelar uma verdade impressionante. E fazer acontecer o impossível. O Pai Natal. A aparição do Pai Natal perante uma plateia adulta e com certeza descrente. Mas constrangida a crer por estar diante de um palco.
Sejamos justos, nada que não aconteça anualmente em muitas casas na noite de 24 de dezembro, quando alguém se mascara de Pai Natal e aparece de fugida a largar presentes junto à árvore. Acreditam as crianças. E os adultos não. Ou fingem que não. E quase acreditam. O palco doméstico também exalta e convence. O palco de teatro espera-se que ainda mais. Porque magnifica tudo. O Pai Natal aqui entra pelos olhos e pelos ouvidos adentro de quem se senta na plateia. E também pela pele – há felizardos incautos que até recebem beijinhos. Muitos. Sim. Sim. E não. Não são as pessoas que se fazem substituir por um estranho de barbas falsas e rosto familiar, para fingirem que não têm nada a ver com os presentes, subtraindo-se da gratidão e dos beijinhos de quem recebe. É o contrário. É certamente o Pai Natal que, por passar o ano todo retirado no Pólo Norte a fabricar os presentes, dá a oportunidade a cada um de reclamar para si a paternidade da dádiva. Claro. E pois não. O Pai Natal não está. Nunca está. Mas existe. Neste teatro, sim. Pelo menos é o que quer provar o seu corpo inteiro de actor em palco. Até ao fim do espectáculo, está em dívida para com quem já pagou bilhete e o vê. Mas é mesmo ele, o Pai Natal actor. O verdadeiro. A quem devemos todos os presentes e se perdeu do Pólo Norte e de si. Vem agora explicar-se e oferecer-se em dádiva.
Tiago Barbosa