Artista em constante definição, tem-se revelado uma força transversal na música popular britânica nos últimos anos. Reconfigura moldes estilísticos, captando na perfeição a neura urbana – e os seus complexos estados psicológicos numa sociedade em profunda angústia. Faz da catarse uma cascata que alimenta múltiplos cursos possíveis. Não sabemos exatamente onde desemboca esta corrente, mas sabemos que é urgente segui-la. Acima de tudo, parece consciente destes tempos. Da incerteza cria não refúgios, mas pontes. Transpondo questões simbólicas e abstratas, alinha-se a uma geração de gente incrível como Bianca Scoutt, Honour, Klein – ou até à poesia industrial de Richie Culver. Em comum, paira um sentimento real de vulnerabilidade – e por estranho que soe a ideia, de uma liberdade inesperada.
Se a banalização do autotune levou muitos a libertar anticorpos, houve exceções que entenderam como usar o efeito em prol de uma expressividade inovadora. Rainy Miller é disso exemplo, não recorrendo a essa via com exaustão ou preguiça, mas como canal emocional. Cinemático na forma como evoca histórias, sonhos e certamente pesadelos, absorve ecos da música ambiental, rnb, hip hop ou eletrónica labiríntica que desafia entendimentos superficiais. O som poroso com que trabalha, permite-o alcançar microdoses de tantas outras referências que filtradas na sua mente se volvem numa identidade corpórea irreconhecível. A meias com duo Space Afrika assinou um documento sonoro pertinente chamado A Grisaille Wedding. Será porventura mais que um álbum colaborativo; é uma afirmação de intenções que chama até si Voice Actor, Mica Levi, Iceboy Violet, Coby Sey ou o supracitado Culver. O name dropping é irresistível pois reforça essa paridade comunitária com que o produtor se move – e se deixa apegar. ”Breathe through the pain even though it hurts / what can I do, life is absurd”, é um verso-chave que salta a dada altura e que cristaliza a extensa e fragmentária matéria que se encontra por aqui.
Por fim, aproxima-se a altura de o recebermos por cá. E traz um novo álbum consigo. Joseph What Have You Done volta a trocar-nos as voltas numa das obras mais prometedoras deste 2025. Provavelmente continuaremos com mais perguntas do que respostas sobre Rainy Miller, mas não será essa a maior recompensa? NA