Porta-voz maldita de uma América em negação de si mesma, Camae Ayewa é a profeta negra vital aos nossos tempos. A longa e persistente luta social, a paranóia coletiva e a busca pela ascensão e consciência são temas recorrentes de um já extenso corpo musical. A poesia de combate, as palavras em forma de lava e a liberdade criativa. Descrever Moor Mother é um exercício que se faz e se refaz no tempo presente. Quando a pensamos conhecer, eis que renasce outro espírito, outra força que nos coloca num desafio aliciante.
Black Encyclopedia of the Air é sua a sétima instalação sonora – e talvez uma das mais emblemáticas à data. Profundamente embriagada no hip-hop e no jazz improvisado, entre outras paisagens urbanas assombradas, a viagem é real. Uma odisseia mística pela realidade moribunda, mas crente, a quem chamou a si colaboradores como Pink Siifu, Yatta ou Brother May. O micro cosmos criado por Moor Mother tem tanto de emoção quanto de física quântica; uma coleção de imagens e poemas sci-fi, resgatados de uma memória longínqua, e criada no asfalto das ruas. Escutam-se trepidações dos também seus Irreversible Entanglements, mas a linguagem aqui é mais abrangente, trazendo inclusive aproximações ao RnB. Camae já gracejou com o facto de este ser, porventura, o seu álbum mais acessível de sempre. Acessível ou não, certo é que atiça fogo a qualquer expectativa, tornando-a numa artista a saborear cada momento da sua performance no planeta Terra.
A narrativa escrita e imaginada por Camae, é um espelho de uma civilização. Condensa em si os medos, os desejos e as inquietações de um “aqui e agora” por vezes demasiado indecifrável. Voltar a vê-la na sala Aquário será um reencontro sanador e igualmente inspirador. Quem a viu no passado sabe que os seus concertos são momentos irrepetíveis – e de alguma forma, acontecimentos-chave. “The revolution will not be televised”, já dizia Gil-Scott Heron há meia década atrás. E bem. NA