Com uma listagem no Discogs que contabiliza cerca de duas dezenas de bandas da qual faz parte, atestar a presença físico-aural de Patrick Shiroishi é como que entrar sem medos num caleidoscópio absoluto que vai do free jazz mais expansivo nos SSWAN, à improvisação livre de We Bow To No Masters passando pelo avant prog de Upsilon Acrux, a composição contemporânea com Wild Up até ao post-hardcore 4D dos misteriosos The Armed. E vários pontos intermédios que contemplam o ruído, lirismo, ambient e a composição. Coordenadas aparentemente díspares que aqui se reorganizam num corpo de obra que nessa vastidão informa uma visão própria feita de todas essas linguagens. Ou como ser multifacetado sem cair no diletantismo naïf. A solo, todas essas vivências comunais acorrem de forma mais ou menos presente, mais ou menos oculta, num processo que tem no saxofone o seu instrumento primordial, por entre electrónica ou gravações de campo. Numa demanda muito pessoal, onde a sombra da sua herança japonesa paira sobremaneira, Shiroishi tem posto em evidência as contrariedades e sintonias desse processo de questionamento constante, entre o peso da tradição, o racismo inerente e o anseio de um futuro comunal – revelado nesse espírito colaborativo -, em discos tão mágicos como ‘i shouldn’t have to worry when my parents go outside’ – ambientalismo elegíaco -, ‘tulean dispatch’ – urgência sob a forma de respiração circular e extended techniques -, ‘Hidemi’ – onde uma miríade de saxofones e a sua voz reescrevem a balada jazz e as influências post-bop num todo vivo e tocante -, ou ‘I was too young to hear silence’, que põe a reverberação e o silêncio de um parque de estacionamento em Monterey Park em diálogo com as notas lânguidas do saxofone e pequenos brilhos de um glockenspiel. Uma outra forma de comunhão. Ou então, ouça-se logo a lindíssima ‘A Sparrow in a Swallow’s Nest’, editada já este ano em single pela Sub Pop para daí partir à descoberta. Grande. BS
Patrick Shiroishi ⟡ PMDS
PMDS
A paisagem açoriana é feita de contrastes, declives e assimetrias visíveis e invisíveis, encastoados num vasto mar, que liberta e aprisiona. A melhor forma de observar o tangível e o abstrato, é de um ponto alto, de elevado horizonte: o miradouro. Frequentemente ponto de interesse, de visita rápida para o viajante, também serve o residente, numa perspectiva mais lata, contemplativa, catártica, confirmando a vastidão e a clausura insular.
Música Para Miradouros é a interpretação destes sentimentos antagónicos, por vezes libertadora e celebrativa, outras introspecta e melancólica. Com vista à fuga ao óbvio, e acompanhados por uma equipa de filmagem (Cactus), foram escolhidos locais inusitados, repletos de factores que contribuíram para esculpir um modelo sonoro específico, havendo uma ligação pessoal a cada um dos sítios. O processo criativo foi desenvolvido ao longo de vários meses e as performances decorreram ao longo de quatro sessões, em pontos diferentes da ilha, gravadas diretamente para um two-tracks, sem possibilidade de edição posterior, quebrando musicalmente com toda e qualquer tradição passada.
Acordar de madrugada, gerir a chuva e o vento, percorrer apertados caminhos, carregar um gerador, transportar uma série de instrumentos, mesas, colunas, montar equipamento de filmagem e fotografia e, no final, conseguir traduzir em música a paisagem circundante, foi apenas possível com muita dedicação, companheirismo e uma grande vontade de fazer a Música Para Miradouros uma realidade, capaz de transmitir ao seu visitante, a visão sonora de um lugar e um momento.